Hoje tomei conhecimento, entristecido, da morte da cantora Elza Soares, um ícone da música brasileira. Não, não serei hipócrita para me colocar agora como seu fã número um. Confesso que conheço pouquíssimo sobre sua carreira e admito sem o menor problema que eu nunca gostei do seu jeito distinto de cantar, mas a admiro por sua voz forte e poderosa e por sua história gigante de luta pela vida e pela defesa firme das suas convicções. Uma mulher guerreira que é exemplo para todos nós e especialmente para os menos favorecidos do nosso tão injusto país. Elza cantou o Brasil, defendeu os direitos das mulheres, lutou contra o preconceito, cantou até o fim, mesmo com problemas de saúde.
Elza Gomes da Conceição nasceu no Rio de Janeiro em 23 de junho de 1930. Nascida pobre, na favela, filha de um operário e de uma lavadeira, passou por todas as dificuldades na vida. Casou-se forçada aos 12 anos, deu à luz aos 13, perdeu um dos filhos aos 15 e ficou viúva aos 21 anos. Teve ainda uma filha sequestrada que ficou desaparecida por muitos anos. Dos oito filhos gerados, quatro morreram, dois ainda pequenininhos, outro já adulto aos 59 anos e outro, filho dela com Garrincha, em um trágico acidente de carro, aos 9 anos, dor que a fez entrar em depressão, com tentativa de suicídio e uso de drogas.
Elza cantava em bailes e decidiu participar do programa de calouros na Rádio Tupi apresentado pelo famoso compositor Ary Barroso, onde respondeu: "Do planeta fome, seu Ary!" à pergunta "De que planeta você vem, menina?". Elza começou a fazer sucesso depois de gravar "Se Acaso Você Chegasse", em 1959. Gravou vários discos e se notabilizou por cantar Samba como ninguém. Ao conhecer Manoel Francisco dos Santos, o endiabrado craque do Botafogo cognominado Garrincha, apaixonou-se perdidamente e começou um relacionamento amoroso que causaria grande revolta nos conservadores da época, pela razão de o jogador ainda estar casado com outra mulher. Ela passou então por maus momentos, acusada de puta e vagabunda e atacada até em sua própria casa. Para suportar tamanha injustiça e covardia, teve que se mudar de cidade e até se apresentar no exterior por um tempo, para fugir da perseguição insensata dos "haters" daqueles tempos. O relacionamento com Garrincha foi bastante turbulento, muito pelo vício em álcool do jogador, que a agredia em casa, conforme relatos dela. Garrincha estava bêbado quando dirigia o carro que se acidentou e lançou para fora o corpo da mãe de Elza, Dona Rosária, levando-a à morte.
Elza teve uns períodos de ostracismo na carreira, renascendo das cinzas várias vezes, sempre tendo apoio de colegas como Caetano Veloso e Vander Lee, que gravaram músicas com ela em seus discos. Elza gravou 34 álbuns, alguns antológicos como "O Samba é Elza Soares" (1961), "Do Cóccix Até o Pescoço" (2002), "A Mulher do Fim do Mundo" (2015) e "Planeta Fome" (2019).
Elza Soares nos deixou nesta tarde de quinta-feira, às 15h45, em sua casa, de causas naturais, aos 91 anos de idade. Coincidentemente em um dia 20 de janeiro, mesma data em que foi embora o amor de sua vida, o genial Mané, em 1983, aos 49 anos.
Elza foi uma mulher batalhadora, digna, forte, resiliente, que "comeu o pão que o diabo amassou", mas manteve a dignidade e foi artista até o momento final, pois gravou um álbum e um DVD dois dias anates da partida. Agora ela irá se reencontrar em algum lugar do universo com o maior amor de sua vida, "o anjo das pernas tortas", talvez agora para viver juntos em eterna paz de espírito. Que assim seja, Elza!
Um grande abraço espinosense.
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