Qualquer pessoa de boa visão e com percepção atenta ao que ocorre cotidianamente ao seu redor, certamente terá percebido, em algum momento de suas vidas, o machismo escroto eternamente incrustado nas sociedades de muitos países do mundo desde os primórdios. O problema atinge todas as camadas das sociedades, mas especialmente os ricos e poderosos que sempre utilizam da sua enorme influência e controle para subjugar mulheres (e homens) em estado de fragilidade e inferioridade. Os assédios e abusos morais e sexuais sempre existiram, muitas vezes protagonizados por aqueles que se apresentam como conservadores defensores das famílias e dos bons costumes, mas ficaram encobertos pela força do medo, da autoridade e do domínio. Protagonizados os abusos, não raros cometidos por senhores endinheirados e influentes, como os da Casa-Grande sobre as Senzalas, estes tinham o acobertamento e relativização da sociedade e até das igrejas.
Mas o tempo passa e o mundo evolui, ainda bem. Nos Estados Unidos, no ano de 2006, a ativista americana Tarana Burke criou um movimento intitulado "MeToo" com o objetivo de denunciar o assédio sexual contra mulheres. A organização criada por ela oferece assistência a vítimas e cursos de capacitação para lidar com sobreviventes de assédios. A própria ativista foi vítima de abusos sexuais na infância e na adolescência. Um impacto muito mais forte e abrangente do assunto se deu em 2017, quando uma investigação jornalística do The New York Times denunciou as ações predatórias sexuais do poderoso produtor de cinema de Hollywood, Harvey Weinstein. Na corajosa e excelente reportagem produzida pela dupla de jornalistas Jodi Kantor e Megan Twohey com apoio firme e total dos editores, algumas mulheres se encorajaram, venceram o medo e deixaram de lado o silêncio, contando os escabrosos casos em que foram vítimas de abusos, constrangimentos e até estupros cometidos pelo predador Weinstein. A partir desta matéria e do pedido da atriz americana Alyssa Milano às mulheres para que, utilizando-se da hastag #MeToo nas redes sociais, estas relatassem, sem medo, os casos de assédio sexual de que foram vítimas, é que o assunto ganhou a atenção da mídia e repercutiu com estrondo por todo o planeta. Foi uma gigantesca explosão de testemunhos, expondo gente muito poderosa, sobretudo nos bastidores da indústria do cinema americano, onde várias atrizes e trabalhadoras foram abusadas. Assim é que o mundo tomou conhecimento da verdadeira face de um homem arrogante, rico e poderoso, produtor famoso e conceituado em Hollywood, o chefão da Miramax, Harvey Weinstein. Depois de condenado por alguns dos seus vários crimes, ele continua encarcerado no complexo penitenciário de Rikers Island, uma prisão em Nova York, nos Estados Unidos, mostrando ao mundo que a impunidade pode e deve ser combatida com o rigor necessário. O ex-produtor, atualmente com 72 anos e recentemente diagnosticado com leucemia, enfrentará um novo julgamento em Nova York, agora em 2025, por estupro e agressão sexual.
A história destas duas jornalistas está contada no filme "Ela Disse" ("She Said"), com direção da Maria Schrader e 2h09 de duração, lançado em 2022 e disponível na plataforma de streaming Amazon Prime Video. O roteiro é de Rebecca Lenkiewicz, baseado no livro de mesmo nome das repórteres Jodi Kantor e Megan Twohey.
ELENCO:
Carey Mulligan - Megan Twohey
Zoe Kazan - Jodi Kantor
Mike Houston - Harvey Weinstein
Patricia Clarkson - Rebecca Corbett
Lola Petticrew - Young Laura
Tom Pelphrey - Vadim Rutman
Adam Shapiro - Ron Leiber
James Austin Johnson - Donald Trump
Andre Braugher - Dean Baquet
Frank Wood - Matt Purdy
Sarah Ann Masse - Emily Steel
Mike Spara - Michael Schmidt
Keilly McQuail - Rose McGowan
Anastasia Barzee - Lisa Blooms
Hilary Greer - Mrs. Schmidt
Marceline Hugot - Linda Fairstein
Edward Astor Chin - Andrew Cheung
Jennifer Ehle - Laura Madden
Kathleen Mary Carthy - Laura's Doctor
Wesley Holloway - Hywel
Justine Colan - Iris
Samantha Morton - Zelda Perkins
Molly Windsor - Young Zelda
Catherine LeFrere - Pamela Lubell
Emma Clare O'Connor - Rachel Crooks
Dalya Knapp - Talia
Emery Ellis Harper - Violet
Tessa Lee - Mary
John Mazurek - John Schmidt
Maren Heary - Nell
Elle Graham - Gracie
Ashley Chiu - Young Rowena
Os assédios, abusos sexuais, feminicídios e o maldito machismo não desapareceram com o fenômeno do #MeToo, continuam existindo em grande quantidade. E as vítimas continuam sofrendo as consequências dos ataques que causam sofrimento, angústia e traumas. Homens e mulheres continuam sendo vítimas de assédios sexuais, sobretudo crianças e, vergonhosamente, sendo abusadas dentro de suas próprias casas por gente próxima, parentes inclusive. Mas o movimento #MeToo conseguiu escancarar a realidade escamoteada nos subterrâneos da sociedade, dando coragem e espaço para que as mulheres pudessem denunciar atos e pessoas criminosas, levando à condenação de algumas, inclusive muitíssimo poderosas como o Weinstein, amigo de gente até mais poderosa, como o presidente Donald Trump, outro suspeito de assédio sexual.
Infelizmente, muitos homens ainda não compreenderam o seu próprio machismo e os efeitos deletérios deste, causados nas vidas das mulheres. Enfiados na ignorância e na intransigência, eles continuam agindo de maneira intolerante, arrogante e violenta, achando graça de piadas machistas e homofóbicas sem entender o quanto são arcaicas, imbecis e prejudiciais à sociedade como um todo. Infelizmente isto leva a um cenário desolador, em que neste exato momento em que você lê este texto, milhares de pessoas no mundo inteiro, sejam homens, mulheres, idosos ou crianças, estão sendo vítimas de atitudes maléficas de assédio e abuso sexual.
Há, entretanto, que se ter cuidado para que pessoas inocentes não sejam denunciadas e crucificadas por gente desonesta com o intuito de amealhar dinheiro. No meio de tanta gente realmente abusada, podem aparecer espertalhões e espertalhonas destruindo reputações com denúncias falsas ou deturpadas. Como deve sempre ser, a Justiça e a Verdade devem prevalecer.
Um grande abraço espinosense.