Nos últimos dias a cidade de Montes Claros ficou entristecida com a partida de várias figuras de suma importância na sua história política, artística e cultural. Foram-se embora para outra dimensão o ex-prefeito Humberto Souto, a fundadora do Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernândez, Marina Fernândez, e agora há poucos dias o cantor e compositor Charlie Boa Vista, integrante do Grupo Raízes, que tanto sucesso fez e faz na música montes-clarense.
Charlie (ou Charles) Boa Vista, ou melhor Agnaldo Pereira de Souza, nasceu da união de Dona Zelita e "Sêo" Agenor, este, amante da música, saxofonista. Imaginou um dia ser padre, abandonando a ideia quando descobriu o teatro e posteriormente a arte de fabricar música. O primeiro nome artístico adotado talvez tenha vindo do genial Charles Chaplin; o segundo, com toda certeza, veio da Fazenda Boa Vista localizada no Brejo das Almas, a atual Francisco Sá, onde vivenciou saborosas aventuras na infância e adolescência. Depois de perambular por São Paulo à procura do sucesso e do reconhecimento na arte de atuar, conheceu aquela que se tornaria sua parceira de vida e música, Ângela Linhares, com quem se casaria e geraria uma filha, Cassiana, e o Grupo Raízes. Para a criação deste projeto musical inovador e audacioso, eles ganharam a adesão dos amigos Tino Gomes, Joba Costa, Ruy Weber e Ângelo Tokutak. Com esta formação inicial, gravaram o primeiro Long Play (LP) no estúdio do famoso e porreta trio Sá, Rodrix e Guarabira, "Grupo Raízes" (1974). Adiante, com a inclusão dos músicos Odilon Escobar e Arlindo, saiu o segundo disco, "Brejo das Almas" (1976). O terceiro LP, intitulado "Olhe Bem as Montanhas" (1980) veio com novos integrantes: Cori Gonzaga, Zé Dias, Dimas, Marcelo Padre, Penico e Faisal, este último o seu parceiro na maravilhosa canção "De Trem Pra Montes Claros", um clássico. Com a divulgação conquistada, chegaram a fazer shows de abertura de shows no Palácio das Artes em Belo Horizonte para Elis Regina e Raimundo Fagner.
Não se sabe por que razão, o projeto que parecia ir tão bem, desmoronou, deixando de existir, para desconsolo dos muitos fãs montes-clarenses, especialmente.
LP "Grupo Raízes", 1974
Lado A:
01 - 00:00 - "Cantoria de Fogueira" (Charlie e Tino Gomes)
02 - 04:18 - "Lá No Pé da Serra" (Elpídio dos Santos)
03 - 06:06 - "Pé de Genipapo" (Charlie/Tino)
04 - 09:49 - "Coerência nº 1" (Charlie)
05 - 12:59 - "Encalço" (Charlie/Ângela Linhares)
06 - 16:05 - "Fotografia" (Tino Gomes)
Lado B:
07 - 17:00 - "Cantiga de Chegada" (Charlie/Tino Gomes)
08 - 18:44 - "Desentoado" (Charlie/Tino Gomes)
09 - 21:15 - "Leilão" (Joracy Camargo/Heckel Tavares)
10 - 23:46 - "Farol da Salvação" (Charlie/Tino Gomes)
11 - 27:43 - "Ateliê do Ricardo" (Charlie)
12 - 30:58 - "Do Rio e das Pedras" (Ângela Linhares)
13 - 32:37 - "Casa Santa" (Folclore do Norte de Minas – Adapt. de Charlie, Tino Gomes e Ângela)
Tino Gomes - Vocal, viola e violão
Charlie - Vocal e percussão
Ângela Linhares - Vocal e percussão
Jorge - Percussão, viola e vocal
Ângelo - Contra-baixo
Rui - Viola, violão e guitarra
Ajoba - Percussão
Participação Especial:
Sérgio "Gripa" Rosadas - Flauta
Produtor Fonográfico - Gravações Elétricas S/A
Coordenação de Produção - Julio Nagib
Direção de Produção - Wilson Miranda
Arranjos e Regência - Ricardo Ibri
Estudio - Gravodisc - SP
Técnico de Som e Mixagem - Carlinhos
Capa - Sergio Grecu
LP "Brejo das Almas", 1976
Charlie - Vocal, flauta e percussão
Ângela Linhares - Vocal e percussão
Escobar - Violão de nylon
Milton Azevedo - Violão de aço
Arlindo Bello - Baixo elétrico
Zé Criolo - Percussão
01 - 00:00 - "Verde Maravilha" (Ruy Maurity)
02 - 03:23 - "Brejo das Almas" (Charlie e Milton)
03 - 09:11 - "Reza Folia" (Charlie e Escobar)
04 - 12:54 - "Ventania" (Ângela)
05 - 15:56 - "Missa Conga" (Tema de Congado, Folclore brasileiro, pesquisado pelo radialista Fábio Martins - Adaptação, Ângela)
06 - 19:10 - "Mãe Terra" (Charlie e Zé Américo)
07 - 24:05 - "Siriri" (Folclore Brasileiro, adaptação, Ângela)
08 - 27:30 - "Boa Vista" (Charlie e Valdir)
09 - 30:38 - "Casa de Caboclo" (Heckel Tavares e Luis Peixoto)
10 - 33:22 - "Laruê de Santos Reis" (Saulo e Heitor Pedra Azul)
11 - 37:48 - "Mormaço" (Charlie e Escobar - piano - Homero)
12 - 41:46 - "Santos Reis" (Folclore Norte-Mineiro pesquisado por Hermes de Paula, adaptação, Charlie)
Informações extras:
Faixa 05 - Vocal: Charlie, Escobar, Milton, Chico Diabo e Maxado Nordestino
Faixa 10 - Vocal: Saulo, Ângela, Dércio, Charlie e Escobar
Viola: Dércio
Violino: Zé Gomes
Caixas: Saulo e Charlie
Lançado por: Crazy - Gravadora e editora
LP "Olhe Bem as Montanhas", 1980
01 - 00:00 - "Se Eu Pudesse Voltar Pra Roça"
02 - 03:06 - "Estrada Afora Moda de Aboio"
03 - 07:21 - "De Trem Pra Montes Claros" (Charlie Boa Vista e Faisal)
04 - 11:23 - "Vida Consagrada"
05 - 13:55 - "Sabiá na Gaiola"
06 - 16:17 - "Iara"
07 - 19:51 - "A Vida do Violeiro"
08 - 23:09 - "Os Violeiros"
09 - 26:08 - "Tempo das Águas"
10 - 27:38 - "Antônio Dó"
11 - 30:44 - "Valsa do Amor Distante"
12 - 33:54 - "Olhe Bem as Montanhas"
13 - 37:07 - "Despedida, os Cantadô e os Tocadô"
Infelizmente, por mais que procurasse, não consegui encontrar os nomes dos compositores das canções deste disco, nem a ficha técnica e os músicos participantes.
Charlie, ou Charles Boa Vista faleceu na última sexta-feira, dia 7 de fevereiro de 2025, aos 73 anos de idade. Ele havia sido internado após sofrer uma convulsão em casa, onde caiu e bateu a cabeça no chão da sala.
Além da trajetória de sucesso com o Grupo Raízes, Charlie também se destacou com uma carreira musical ao lado de Carlos Maia, formando a dupla Maia y Boavista.
Neste nosso lindo, gostoso, injusto e maltratado mundo, as coisas mudam rapidamente, com transformações acontecendo em tempo recorde, mas as boas lembranças dos momentos vivenciados nos acompanharão até a tal eternidade, se ela realmente existir. Charlie Boa Vista e tantos outros se foram, milhões de outros também irão, mas suas magníficas criações podem e devem se perpetuar para que pessoas novas descubram seu imenso valor.
"DE TREM PRA MONTES CLAROS"
Charlie Boa Vista e Faisal
Essa estrada
Leva e traz dor e alegria
Na primeira caminhada
Na primeira companhia
Vim do sertão
Lá do meio da chapada
Tanto tempo tanta estrada
Tanta curva perigosa
É muito fácil
Todo passarinho voa
Toda mata eu sei que é boa
Quando não tem alçapão
Tem nada não
Caminho é por onde se passa
E mês que vem
Eu vou de trem pra Montes Claros...
Descanse em paz, Charlie, e obrigado por tudo!
Outra grande e significativa perda para a arte brasileira foi a do cantor e compositor paraibano Vital Farias. O artista nascido aos 23 de janeiro de 1943 na pequena Taperoá, criou belas canções, algumas delas de sucesso, sobretudo a música "Ai, Que Saudade d'Ocê", gravada por grandes nomes da música brasileira como Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Fábio Jr., Fagner, Zeca Baleiro, Lucy Alves e Marcelo Jeneci. Vital Farias, que tinha 82 anos, faleceu no dia 5 de fevereiro de 2025, última quarta-feira, no Hospital Metropolitano Dom José Maria Pires, em João Pessoa, vítima de um problema cardíaco.
"SETE CANTIGAS PARA VOAR"
Vital Farias
Cantiga de campo
De concentração
A gente bem sente
Com precisão
Mas recordo a tua imagem
Naquela viagem
Que eu fiz pro Sertão
Eu que nasci na floresta
Canto e faço festa
No seu coração
Voa, voa, azulão
Voa, voa, azulão
Cantiga de roça
De um cego apaixonado
Cantiga de moça
Lá do cercado
Que canta a fauna e a flora
E ninguém ignora
Se ela quer brotar
Bota uma flor no cabelo
Com alegria e zelo
Para não secar
Voa, voa, voar
Voa, voa, voar
Cantiga de ninar
A criança na rede
Mentira de água
É matar a sede
Diz pra mãe que eu fui pro açude
Fui pescar um peixe
Isso eu num fui não
Tava era com um namorado
Pra alegria e festa
Do meu coração
Voa, voa azulão
Voa, voa azulão
Cantiga de índio
Que perdeu sua taba
No peito esse incêndio
Céu não se apaga
Deixe o índio no seu canto
Que eu canto um acalanto
Faço outra canção
Deixe o peixe, deixe o rio
Que o rio é um fio de inspiração
Voa, voa azulão
Voa, voa azulão
Voa, voa azulão
Descanse em paz, poeta de energia Vital!
Um grande abraço espinosense.