Espinosa, meu éden

Espinosa, meu éden

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

2072 - Espinosa, um dia chuvoso de eleição e paz

No retorno à minha Espinosa, a estadia desta feita foi bastante breve, tão somente para exercer a cidadania, que jamais abrirei mão em qualquer circunstância. A liberdade deve ser o nosso maior tesouro, apenas menos importante que a saúde, isso no plano individual.
Exercida em plena paz de consciência a tarefa inexorável de auxiliar a decidir o futuro do país, já não havia qualquer incumbência a cumprir, senão perambular solitário pelas ruas molhadas da cidade amada após uma abençoada chuva que varou a noite e alcançou a manhã. Tempo de observar com contentamento as mudanças no cenário urbano, com o asfalto cobrindo as ruas do centro. Se há muito o que comemorar, o desaparecimento de algumas velhas casas das principais praças da cidade traz alguma nostalgia, avivando lembranças de pessoas queridas e lugares outrora palco de incontáveis emoções.



Passando pela Praça Coronel Heitor Antunes, lembrei-me de meu avô Joaquim de Freitas, com seu semblante sempre sereno e acolhedor. Lembrei-me da minha avó Joana, firme e irredutível na exigência do pedido da bênção de toda a molecada. Lembrei-me de Tio Preto, sempre disponível para ajudar a quem precisasse. Lembrei-me de Dona Araci, fisgando-nos inapelavelmente para dar algum recado. Lembrei-me de Geraldo Ramos da mercearia lá na Rua da Resina, de Nelito Tolentino do inesquecível Cine Coronel Tolentino, de Luiz Ribeiro apaixonado atleticano da farmácia, de Rubens da loja, de Seu Guilherme da Casa Fátima, meu primeiro trabalho remunerado aos 13 anos. Lembrei-me da loja de Antímio, da padaria de Alisson Cruz, onde ganhávamos pão na madrugada durante as aulas de educação física ministradas por Domingão de Gino. Lembrei-me da loja de Clotildes com seus chapéus à venda, de Seu Arlindo Sepúlveda na esquina, de Geraldo Anacleto, aquele sábio senhor dos habituais suspensórios e dos discursos longos e inflamados que eu detestava ouvir, pela preguiça e cansaço. 



Próximo da Rua Dom Lúcio, lembrei-me das lojas de Juvenal Ribeiro, de Helenita "Loura" Dias, de Seu Osvaldo, de Seu Dé, de Seu Crispim Vieira, de Coleguinha, de Waltinho Mendes. Lembrei-me de Seu Iéié, pai dos meus amigos Zé e Paulinho e esposo da minha querida Dona Ana. Lembrei-me do casal Marçal e Dalva, ele, sempre sentado na calçada, constantemente mal-humorado, pronto a atacar com o seu bastão os nossos carrinhos de plástico puxados com cordão. Ela, sempre com uma face angelical, uma paz inebriante e um carinho tão grande por mim, centuplicadamente correspondido. Lembrei-me do prédio onde estudei por pouco tempo, da Minas Caixa onde trabalhou Paulinho, Mazinho, Mauri e o saudoso Seu Vavá, este de tantas histórias divertidas na Rua da Resina com o seu jipão.



Pelo outro lado, na Rua 9 de Março, vieram as lembranças da "boite" de Vicente Oliva, do boteco de seu Gino, do "Bakana" de Waldir Mendes e Lia, onde tomei muitas cervejas e comi muito frango assado na companhia de amigos leais. Lembrei-me da "Frutavit" de Idalino, do "Bar e Sorveteria Xuá" de Tone Silveira e da loja "Musical" de Júlio Figueiredo, onde comprávamos os LPs contendo os últimos sucessos ou mandávamos gravar as fitas cassetes.



Ali, já na Praça Coronel Joaquim Tolentino, vieram as reminiscências de um tempo repleto de alegria e prazer. As brincadeiras de esconde-esconde nas árvores da praça, os bate-papos na calçada de Dona Neuza de Seu Antônio Sepúlveda, os namoros nos bancos, as rodinhas de piadas com os amigos, as muitas voltas dadas à procura de amores após as Santas Missas na Matriz de São Sebastião, o assassinato à facadas do motorista de ônibus bem diante dos nossos olhos, o meu casamento e os dos amigos, os batizados dos meus filhos, a figura ímpar, austera e respeitável de Padre Martin Kirscht, o doce de leite de Almerindo que Nestor adorava, os picolés de coco e abacate inigualáveis de Dona Sissi de Carlito, o Bar Baco com shows de Fernando César e Betinho, a sinuca de Seu Agenor, as residências de Seu Valdemar, Virgínio, Seu Dudu Tolentino, Tio Benvindo, Seu Otacílio Barbosa, que me atendeu algumas vezes após as duras ressacas da juventude desregrada, o meu grupo escolar que já não existe mais, o prédio em que realizei o sonho de pertencer a uma grande empresa do país e onde tive a companhia de grandes amigos como Izaías Mariano Mendes (Zazá) e Fernando Gomes Franca; enfim, uma infinidade de fatos, locais e gentes que jamais sairão do pensamento. 
São tantas recordações que daria para preencher um livro. Fico por aqui, por enquanto. Sei que esqueci de registrar muitas outras pessoas e situações, mas é o que minha memória falha conseguiu reunir neste exato momento em que escrevo esse texto. Daqui a pouco, outras dezenas de nomes e acontecimentos aparecerão de repente na memória. Qualquer outro dia os publico.
Quase todos os citados acima já não estão mais conosco. Aos que continuam vivos, o meu abraço fraterno; aos que partiram, a minha saudade e o desejo de que estejam descansando serenamente na paz do Criador.
Um grande abraço espinosense.