Espinosa, meu éden

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quinta-feira, 25 de setembro de 2025

3862 - Gonzaguinha, 80 anos

Ele falou de amor, de paixão, de afeto, de fé na vida, do trabalhador brasileiro, mas não se acovardou jamais, tocando o dedo na ferida da repressão e da truculência da maldita ditadura, sem nenhum medo de lutar contra o sistema e ser feliz. 
Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, nascido na Cidade Maravilhosa Rio de Janeiro no dia 22 de setembro de 1945, compôs e cantou com maestria e sua voz inconfundível versos como:
- "Acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão, ponho fé é na fé da moçada, que não foge da fera e enfrenta o leão, eu vou à luta é com essa juventude, que não corre da raia a troco de nada..."
- "Você deve estampar sempre um ar de alegria, e dizer: Tudo tem melhorado. Você deve rezar pelo bem do patrão e esquecer que está desempregado. Você merece..."
- "A gente quer carinho e atenção, a gente quer calor no coração, a gente quer suar, mas de prazer, a gente quer é ter muita saúde, a gente quer viver a liberdade, a gente quer viver felicidade. É!"
- "E depois desses anos no escuro do quarto, quem te diz que não é só o vício da obrigação, pois com a outra você faz de tudo, lembrando daquela tão santa que é dona do teu coração..."
- "Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs, deixe a luz do Sol brilhar no céu do seu olhar, fé na vida, fé no homem, fé no que virá, nós podemos tudo, nós podemos mais, vamos lá fazer o que será..."
- "Se é amor, deu e recebeu, se é suor só o meu e o teu, verbo eu, pra mim já morreu, quem mandava em mim nem nasceu..."
- "Não quero a razão pois eu sei o quanto estou errado, o quanto já fiz destruir, só sinto no ar o momento em que o copo está cheio, e que já não dá mais pra engolir. Veja bem, nosso caso é uma porta entreaberta, eu busquei a palavra mais certa, vê se entende o meu grito de alerta..."
- "É tão bom poder andar pelo país, o meu pedaço de ilusão, o meu pedaço de irmão, o meu pequeno coração, e penetrar em cada lar, com um pedaço de esperança, que eu arranco do meu peito, pra te alimentar, alô alô Brasil..."
- "Nós atravessamos mil Saaras, e eu nunca vi gente melhor pra resistir, a tanta avidez, a triste estupidez, ao cada um por si, ao brilho da ilusão, digo na maior, melhores dias virão, é um desejo deste enorme coração..." 
- "Quando eu soltar a minha voz, por favor entenda, que palavra por palavra, eis aqui uma pessoa se entregando, coração na boca, peito aberto, vou sangrando, são as lutas dessa nossa vida, que eu estou cantando..."
- "Chega de temer, chorar, sofrer, sorrir, se dar, e se perder e se achar, e tudo aquilo que é viver, eu quero mais é me abrir, e que essa vida entre assim, como se fosse o Sol desvirginando a madrugada, quero sentir a dor dessa manhã..."



Com letras ácidas e poéticas dotadas de alguma complexidade e muita sofisticação, o compositor astuto e crítico foi massacrado por alguns analistas musicais, sendo apelidado sarcasticamente de "cantor-rancor", muito por conta da sua inconformidade com o ambiente repressor da ditadura em vigor no país. Até seu relacionamento com o conservador pai ausente Luiz Gonzaga ficou por tempos estremecido pelas divergências políticas, somente sanadas já bem adiante, no final da vida, quando se reconciliaram e se apresentaram juntos pelas cidades do país.



Nos 10 anos finais de sua vida, Gonzaguinha viveu em BH, bem caseiro e tranquilo, aproveitando ao máximo o cotidiano com a família e até batendo uma bolinha com os amigos peladeiros. Infelizmente, o vascaíno apaixonado também tornou-se torcedor do Cruzeiro, para meu desapontamento. Mas mesmo em Belô, morando na Pampulha, continuou compondo e gravando suas belas composições, agora falando um pouco mais de afeto e amor. O disco "Grávido", de 1984, tem na capa uma imagem cativante do artista aconchegando carinhosamente sua filhinha Mariana no colo, fruto do seu relacionamento com a sua terceira esposa, Louise Margarete, a Lelete. De Belo Horizonte ganhou um bloco carnavalesco em sua homenagem, "O Lindo Bloco do Amor".



Gonzaguinha partiu muito cedo, deixando um vazio enorme na música brasileira. Faleceu em um acidente de carro entre as cidades de Renascença e Marmeleiro, no Sudoeste do Paraná, no dia 29 de abril de 1991, quando voltava de uma turnê pelo Sul do país. Ele tinha apenas 45 anos e seu corpo foi velado no Palácio das Artes e sepultado no Parque da Colina, em Belo Horizonte. Ele teve quatro filhos: Daniel Gonzaga e Fernanda, com a primeira esposa Ângela; Amora Pêra, com a segunda esposa Sandra; e Mariana, com a terceira esposa, Louise Margarete Martins.
O artista carioca perdeu a mãe aos dois anos de idade. Com o falecimento da cantora, compositora e dançarina Odaléia Guedes dos Santos, vítima de tuberculose, o pai não biológico Luiz Gonzaga deixou a criação do filho aos cuidados dos padrinhos, Odina e Henrique Pinheiro, este um músico conhecido como "Baiano do Violão", que viviam no Morro de São Carlos, no Estácio. Com total apoio financeiro do pai, Gonzaguinha formou-se em Ciências Econômicas, mas sua paixão era mesmo a música. Começou a sua batalha no cenário musical brasileiro no MAU-Movimento Artístico Universitário, ao lado de feras como Aldir Blanc, Ivan Lins, Marcio Proença, Paulo Emílio e César Costa Filho. Em 1969 venceu o Festival Universitário de Música Popular da TV Tupi com a canção "O Trem". Em 1973 lançou seu disco de estreia, que tinha entre outras, a canção "Comportamento Geral", um protesto firme e forte que incomodou a censura. Assim vieram álbuns bastante engajados, músicas censuradas e mais adiante, sucessos estrondosos com algumas de suas composições sendo gravadas por ícones da MPB como Maria Bethânia, Elis Regina e Simone. Uma das suas canções mais famosas saiu no ano de 1982, "O Que É o Que É", no álbum "Caminhos Do Coração".


 
Para celebrar os 80 anos de Gonzaguinha, que seriam completados neste 22 de setembro de 2025, a sua ex-esposa Sandra Pêra lançou um álbum intitulado "Eu Apenas Queria Que Você Soubesse”, com 12 canções do saudoso artista:
1) "Com a Perna no Mundo" - Sandra Pêra - 3:37
2) "A Felicidade Bate à Sua Porta" - Sandra Pêra, Dhu Moraes e Regina Chaves - 3:12
3) "Ser, Fazer e Acontecer" - Sandra Pêra - 3:12
4) "Maravida" - Sandra Pêra e Chico Chico - 3:49
5) "Ponto de Interrogação" - Sandra Pêra - 2:56
6) "Recado" - Sandra Pêra e Simone - 3:47
7) "Feliz" - Sandra Pêra - 3:39
8) "Morro de Saudade" - Sandra Pêra - 4:03
9) "Ocê i Eu" - Sandra Pêra - 3:46
10) "Borboleta Prateada" - Sandra Pêra - 5:17
11) "Coração" - Sandra Pêra - 3:03
12) "Eu Apenas Queria Que Você Soubesse" - Sandra Pêra, Amora Pêra e Gonzaguinha - 3:32



No ECAD-Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, Gonzaguinha possui registradas 309 obras musicais e 371 gravações cadastradas no banco de dados da gestão coletiva. No ranking da instituição a música mais tocada e regravada é a linda, pulsante e esperançosa "O Que É o Que É", esta maravilha que foi trilha sonora de boa parte da minha juventude.
Estivesse vivo, certamente o grande Gonzaguinha estaria lutando incansavelmente em favor da Justiça, da Paz e da Democracia, claro que ainda compondo letras recheadas de lirismo e críticas sociais e políticas, com toda a coragem que lhe era peculiar. Quanta falta faz! 
Um grande abraço espinosense.