Para você que ama a Sétima Arte como eu, está disponível no catálogo do streaming do Prime Vídeo um filme interessante a que assisti ontem, de nome "Obediência" ("Compliance"). E o título explica de forma sucinta o que se desenrola na fita de apenas 1h26, lançado em 2012. No pequeno universo de uma loja de fast-food em uma cidade dos Estados Unidos, um grupo de trabalhadores comuns se desdobra para atender bem aos clientes na noite de uma sexta-feira qualquer, dia de bastante movimento, após um erro cometido por algum funcionário no dia anterior, deixando aberto um congelador, o que causou um prejuízo de U$ 15 mil com a perda de um tanto de picles e bacon. E com um funcionário a menos, que faltou ao trabalho, a expectativa era de receber a inspeção de um representante da empresa, que viria disfarçado. É neste cenário minúsculo, habitual e tenso que toda a trama se desenrola, evidenciando a fraqueza humana, a falta de solidariedade, o desapego à reflexão, a inexistência da ética e o desprezo pela vida alheia.
O ponto de partida, que desencadeia uma série de acontecimentos grotescos e inexplicáveis de obediência cega e submissão juvenil, é a simples ligação telefônica de um policial relatando à gerente do estabelecimento, Sandra, um suposto furto de dinheiro da bolsa de uma cliente por uma funcionária sua, a Becky. A partir deste diálogo, inicia-se um desenrolar de atos de submissão que irão desaguar em abusos horrendos, enquanto a vida cotidiana, apesar de tão próxima, segue seu curso normal de uma dia cheio de trabalho. A produção, que é baseada em acontecimentos reais ocorridos em algumas cidades dos Estados Unidos nos anos 2000, escancara a falta de discernimento de pessoas consideradas normais, comuns e de boa índole, que acabam abrindo espaço para a ocorrência de abusos e injustiças.
A jovem vítima, Becky, refém da necessidade de trabalhar, manter o emprego e ganhar o mínimo para sobreviver com dignidade, entrega-se, assustada e sem muita recusa, aos atos de afronta e humilhação, resultando em abusos inesperados, até que uma pessoa simples e sensata, com sua capacidade de clarividência, desmonta toda a farsa que cegou por um bom tempo algumas pessoas ludibriadas facilmente pela arrogância e uso do poder da coerção de uma suposta autoridade policial.
O ambiente de trabalho de gente comum mostrado no filme ajuda a nos posicionar diante das cenas incrivelmente sufocantes e revoltantes de tamanha injustiça perpetrada diante dos olhos dos colegas. A vontade que nos dá é de explodir em angústia e revolta, de penetrar no filme e colocar fim ao sofrimento da ingênua e passiva garota. Eu, que odeio gente arrogante e covarde, fiquei puto com o canalha que promoveu a violência, tanto quanto com as pessoas que se deixaram engambelar com seu abuso de autoridade. Na vida real, é muito comum assistirmos a cenas cotidianas de figuras instaladas em funções de poder, abusando violentamente de outras pessoas, mais frágeis, ingênuas e apáticas, escancarando as incríveis vulnerabilidades da consciência humana.
ELENCO:
Ann Dowd - Sandra Fromme
Dreama Walker - Becky
Ashlie Atkinson - Marti
Bill Camp - Van
Desmin Borges - Officer Morris
James McCaffrey - Detective Neals
Matt Servitto - Supplier
Michael Abbott Jr. - Officer Jimmy Palmer
Pat Healy - Officer Daniels
Philip Ettinger - Kevin
Ralph Rodriguez - Julio
Stephen Payne - Harold
A história contada no filme é real e aconteceu em 2004, quando uma gerente de uma loja do MacDonald’s foi contactada pelo telefone por um sujeito desconhecido que se fazia passar por um policial, para ser comunicada de um crime de furto cometido por uma funcionária sua. O filme trata de um caso dos cerca de 70 que foram verificados nos Estados Unidos, à época.
Não darei mais detalhes do filme para não acabar com a principal virtude dele, que é o suspense e a contestação à uma situação bastante comum nos tempos atuais, de pessoas de boas condições mentais sendo iludidas facilmente por espertalhões, sendo utilizadas como massa de manobra para o atingimento de suas pretensões políticas e, principalmente, ambições monetárias. Gente que se transforma em fanático, sem perceber as injustiças e os embustes reais que atingem frágeis e inocentes, caminhando às vezes até para o cometimento de crimes graves, tornando-se bandidos sem perceber. O cinema serve não só para divertir e entreter o público, mas também pode ser uma oportunidade de reflexão e percepção da realidade. É simplesmente necessário nunca nos omitirmos quando uma situação de injustiça esteja acontecendo diante de nossos olhos. Nosso trivial posicionamento pode reparar inúmeras iniquidades. Que nunca nos calemos diante dos absurdos cometidos pelos poderosos, insolentes e injustos!
Um grande abraço espinosense.