Espinosa, meu éden

Espinosa, meu éden

sábado, 29 de janeiro de 2022

2886 - Tudo era bom? Que nada!

Não raro, escuto algumas pessoas tecendo rasgados elogios aos tempos antigos, passados. Ou recebo vídeos enaltecendo as eras idas com enorme saudosismo. A ideia central é a de que "tudo" antigamente era bem melhor que no momento atual. Entendo que eles até têm alguma razão, mas somente em parte, não totalmente. Assim um tanto como eles, sou um sujeito um pouco saudosista, porém jamais nostálgico. Tenho bastante saudade e carinho pelos meus tempos de criança, de adolescência e de juventude, das boas e felizes lembranças de momentos maravilhosos e inesquecíveis vividos. Mas também carrego tristezas por fatos e ações ocorridas no passado e que hoje já não podemos admitir que aconteçam. E mais, é pura balela esta história de que "tudo" (eu disse tudo!) era melhor nos tempos de outrora. Vamos refletir tranquila e racionalmente?

- Antigamente a gente fazia as necessidades físicas em um quartinho lá no fundo do quintal, em um buraco na laje em cima da fossa, cheia de moscas repugnantes e cheiro fétido, e que à noite dava medo ter acesso. Hoje fazemos a mesma ação, dentro de casa, com o maior conforto e higiene em vasos sanitários limpos e eficientes, com toda a segurança; 



- Antigamente jogávamos futebol em campos horríveis de terra batida, duros, pesados e de pisos irregulares, e quando a gente se ralava todo após um carrinho ou uma queda, o único remédio disponível era o Merthiolate, que ardia como pimenta malagueta. Hoje em dia temos maiores oportunidades de jogar futebol em campos gramados e perfeitos e o temido Merthiolate não arde mais;
- Antigamente você jogava bola descalço, sempre ferindo os pés, ou mais adiante jogando com chuteiras de couro desconfortáveis que machucavam bastante as solas dos pés, os dedos e os tornozelos. Ou com os famosos kichutes, que esquentavam para danar e nos enchiam de calos. Hoje temos à disposição as mais leves e confortáveis chuteiras, e com preços acessíveis; 
- Antigamente você ia jogar bola em outra cidade acomodado em uma carroceria de caminhão, de uma caçamba, de uma picape, enfrentando vento, frio, desconforto, sol, calor, aperto e câimbras. Hoje é uma maravilha, com o pessoal se deslocando em ônibus e carros de passeio confortáveis, alguns até com ar condicionado;
- Antigamente, para viajar, você tinha que enfrentar estradas cheias de buracos e poeira, quando não caía nos atoleiros em tempos de chuva. Lembro-me da dificuldade que era sair de Espinosa de carro até Janaúba em estrada de chão, com bastante buracos, poeira e "costelas" no caminho. Hoje quase tudo é asfaltado, mesmo que possam aparecer alguns buracos em tempos de chuva, mas ainda assim muito melhor; 



- Antigamente você sabia muito pouco o que acontecia no mundo, pois as notícias chegavam com bastante atraso, e somente pelo rádio. Hoje sabemos de tudo o que acontece no mundo em tempo real através da Internet. Só temos que saber descobrir as boas fontes e não confiar nas malditas fake News;
- Antigamente você levava surras truculentas de "currião", palmatória, cabo de vassoura, chinelo ou vara de marmelo dadas pelos pais por ações consideradas indevidas. E se apanhasse na rua de outro menino, mesmo que maior e mais forte, apanhava de novo em casa, para aprender a "ser homem". Na escola, se agisse mal, era punido com golpes de palmatória e régua de madeira, cascudos, puxões de orelha e castigos físicos como ficar de joelhos em cima de grãos de milho, uma tortura. Hoje isso é atitude inaceitável, aliás, passou a ser crime; 
- Antigamente nós, meninos, saíamos para caçar no mato, na beira do rio, com nossos estilingues e matávamos muitos passarinhos, sem dó nem piedade. Alguns tinham o hábito de caçar para comer, mas também havia os que o faziam pelo simples prazer sádico de matar os bichinhos. Quase ninguém possuía consciência ecológica, pois todo mundo achava que aquilo era normal e que os passarinhos nunca iriam ser extintos. Hoje tais atitudes antiecológicas são inaceitáveis e consideradas crimes;
- Antigamente muita gente jogava lixo ou fazia suas necessidades fisiológicas no rio, com a ideia equivocada e estapafúrdia de que ele carregaria para longe a sujeira. Em Espinosa as pessoas pareciam não se tocar de que o seu lixo iria desaguar na Barragem do Estreito, de onde vem a água, após tratamento, que a população consome. Eu quero acreditar que hoje ninguém mais tem essa visão errônea da realidade;
- Antigamente você não tinha a menor chance de dar sua opinião em conversa de adultos. Era obrigado a dar bênção aos mais velhos e habituar-se a ficar de boca fechada quando os adultos estivessem proseando. Hoje vigora a liberdade de os jovens se posicionarem em qualquer situação. Na minha opinião, o tradicional costume de pedir a bênção aos mais velhos não deveria ter acabado, por ser uma atitude positiva e elogiável, apenas ter deixado de ser obrigatório e tornado espontâneo;
- Antigamente, quando só havia a Cotesp em Espinosa, você tinha a maior dificuldade para fazer uma simples ligação telefônica. Mesmo depois da ampliação da telefonia na cidade e a implantação dos famosos "orelhões", ainda era difícil dar um telefonema, às vezes até enfrentar fila acontecia. Hoje existem mais telefones celulares que habitantes no país, um avanço considerável;



- Antigamente para tirar fotografias, você tinha no máximo 36 poses em um filme utilizado na câmera. Não bastasse o pequeno número de possibilidades, havia o enorme risco da perda de várias imagens por figuras desfocadas, tremidas ou desenquadradas, quando não acontecia de o operador esquecer de colocar o filme ou ainda de o filme travar dentro da máquina fotográfica, colocando tudo a perder. Hoje, com a fotografia digital, você pode tirar milhões de fotos e se não estiverem boas após a visualização imediata, basta apagá-las e tirar outras logo em seguida, sem nenhum prejuízo;
- Antigamente, para conseguir ouvir em casa as músicas que você gostava, era preciso comprar discos nas lojas, nem sempre baratos e acessíveis. Uma solução era gravar a música tocada no rádio, mas isso era uma façanha para poucos. O cara tinha que ter a percepção correta do início da música para iniciar a gravação no toca fitas e às vezes era lamentavelmente surpreendido com o som da propaganda da rádio no meio da música, bagunçando tudo. E o espaço para as músicas gravadas nas fitas era bem pequeno, com pouco mais de dez de cada lado. Hoje, com um pen drive minúsculo, você consegue reunir milhares de músicas gravadas facilmente dos seus discos, arquivos e das plataformas de streaming, com a melhor qualidade sonora;    
- Antigamente, em algumas profissões, você tinha que datilografar processos e contratos e demais documentos na máquina de escrever e se errasse um tantinho, mesmo que na última linha, tinha que rasgar a folha toda e recomeçar do zero, uma tragédia e um desperdício de tempo, dinheiro e paciência. Hoje, com os computadores, a correção é bastante simples e tudo pode ser corrigido durante e depois da digitação, evitando perdas de tempo e de dinheiro;
- Antigamente muita gente fumava e em todos os ambientes, abertos ou não. Trabalhei anos e anos, incomodado, ao lado de colegas que deixavam o cigarro se acabar no cinzeiro, impregnando o ar com aquela fumaça horrorosa e cancerígena. Hoje é inadmissível que se fume em locais fechados e felizmente diminuiu bastante o número de fumantes no país, e consequentemente, de mortos por câncer provocado pelos cigarros;
- Antigamente a maioria das pessoas morria jovem, muitas acometidas de varíola, de gripe, de sarampo, de malária, de disenteria ou das mais simples infecções. Hoje temos vacinas, antibióticos e, com práticas de higiene básica, a mortalidade, sobretudo a infantil, diminuiu drasticamente e as pessoas têm saúde melhor e uma maior longevidade;
- Antigamente crianças morriam ou ficavam com deficiências graves por conta da inexistência ou falta de acesso às vacinas contra a poliomielite, por exemplo, comprometendo uma vida inteira. Hoje não, o acesso é fácil e as pessoas conscientes vacinam seus filhos contra todas as doenças e elas vivem em completa saúde;
- Antigamente os meninos, os pobres especialmente, tinham que sacrificar seus períodos de infância e adolescência no trabalho, para ajudar nas despesas de casa ou na própria sobrevivência. Muitos até abandonavam os estudos, caindo no analfabetismo que lhes causaria enormes prejuízos sociais e financeiros adiante. Hoje, mesmo com algo parecido ainda acontecendo ilegalmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe firmemente qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos;



- Antigamente as mulheres contraíam matrimônio com a promessa e obrigação de jamais se separarem dos maridos, mesmo que estes lhes traíssem, humilhassem, sufocassem e até mesmo as agredissem fisicamente e de forma constante. Quem se rebelasse contra isso e tomasse a difícil decisão de sair do casamento passava a ser malvista na sociedade, tratada como algo próximo de uma prostituta. Hoje as mulheres se esforçam para serem independentes financeiramente e não se tornarem reféns de maridos infiéis e violentos, exercendo com todo direito sua liberdade;
- Antigamente muitas dessas mulheres se casavam em troca do dote, mesmo sem nunca ter conhecido o namorado ou pretendente, este escolhido pelos pais. E ainda podiam ser mortas em defesa da honra, se cometessem adultério, fato impensável atualmente, mesmo que infelizmente ainda corriqueiro;
- Antigamente, especialmente nós os meninos, tratávamos com desumanidade, escárnio e desprezo as pessoas deficientes. Era comum tratá-los como aleijados e xingá-los sem a menor condescendência. Atitudes que agora são passíveis de punição severa, por se tratar de crimes;
- Antigamente só tínhamos opção de assistir a TV Globo, SBT e Bandeirantes, e com uma péssima imagem em preto e branco. Atualmente o cenário do entretenimento mudou radicalmente, com inúmeras opções a serem acessadas, inclusive através da Internet, que democratizou o acesso à população. O triste e lamentável é que, pelo alto custo das assinaturas de TV e plataformas de streaming, muitos brasileiros ainda não podem usufruir dessa liberdade de escolha; 
- Antigamente não havia direitos sociais para os cidadãos. As mulheres não tinham direito ao voto, milhares de negros se encontravam em situação de escravidão e o status obtido ao nascer determinava a vida da pessoa durante toda a sua vida, sem a menor possibilidade de acesso a uma vida mais digna. Com uma sensível melhora nesse terrível quadro de injustiça, atualmente as minorias e os mais pobres tiveram uma ampliação do espaço e das oportunidades de estudo, crescimento e liberdade;
- Antigamente, alguns poderosos patrões tratavam seus empregados como escravos, sem direito a quaisquer direitos trabalhistas e com salário de fome. Os trabalhadores não tinham direito a nenhuma proteção pessoal, nem luvas, nem capacetes, nem botas, nada. Hoje, os trabalhadores, inclusive os domésticos, têm os seus direitos mínimos garantidos na Lei;
- Antigamente os alunos da zona rural iam para a escola a pé, debaixo de um sol escaldante, andando por vários quilômetros. Hoje eles têm à disposição ônibus seguros e confortáveis para esse tráfego; 
- Antigamente, pouquíssimas pessoas tinham acesso à faculdade e ao sonho de se formar em Medicina, Engenharia, Odontologia, etc. Só mesmo os ricos, os médicos, os fazendeiros, os grandes comerciantes é que tinham condição financeira para bancar os estudos dos filhos em cidades grandes que ofereciam educação superior. Felizmente hoje, alguns jovens de pouco poder econômico conseguem furar esta bolha e conquistar o sonho de se graduarem para o exercício de uma profissão mais respeitada e melhor remunerada.



Acho que já chega, senão ficarei aqui o dia inteiro exemplificando mais e mais fatos aqui que iriam preencher um espaço imensurável. 
O passado é sim, fonte de boas lembranças, de maravilhosos momentos vivenciados, de muitas coisas boas então disponíveis, sobretudo da liberdade na infância. Mas o tempo passa, as coisas mudam, o mundo evolui e precisamos entender o giro do universo, agradecendo por todas as melhorias sociais e econômicas, os avanços da Ciência, como no caso das vacinas que tantas mortes e males evitam a cada segundo. É preciso que lembremos com saudade do passado, mas temos que viver com intensidade total o presente, sempre mantendo a esperança de dias melhores no futuro. E ele virá, o futuro, muito melhor, mais feliz e mais justo, eu acredito!
Um grande abraço espinosense.