Espinosa, meu éden

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quarta-feira, 13 de março de 2024

3407 - Música do diabo? Que nada!

Os radicais fanáticos religiosos e afins sempre espalharam por aí a hilária fake News de que o Rock and Roll é coisa do demônio. E não é que existem ingênuos inocentes que acreditaram, e ainda acreditam, nessa besteira monumental? Especialmente o Heavy Metal ganhou essa pecha de música do Satã, acusado de espalhar violência, ódio e adoração ao diabo. As roupas pretas, as correntes, as tatuagens, os cabelos compridos, o som pesado, os vocais potentes e algumas letras polêmicas e provocativas ajudaram a incutir em mentes pouco sensatas e equilibradas esta ideia maluca de que roqueiros são a encarnação do mal. Quanta bobagem, meu Deus do Céu! 
O Rock and Roll é na realidade apenas uma vertente da música que se mostrou atrativa ao público jovem, sobretudo, pelo seu inconformismo com o status quo e com o hipócrita moralismo cristão da sociedade. O Rock é apenas um estilo musical vibrante que se apresenta com rebeldia e energia contagiantes e pretende colocar todo mundo para dançar e se divertir sem a menor preocupação que não seja ser feliz e ficar bem consigo e com todo mundo ao redor, uma mistura mágica de vários ritmos: Country, Blues, Folk, Soul, Funk, Jazz, Gospel, Rhythm and Blues etc. Tudo parece ter se iniciado com a Sister Rosetta Tharpe lá nos anos 1920, tocando sua guitarra com maestria e colocando todo mundo para se chacoalhar de alegria com o seu som contagiante. Anos depois, a partir dos anos 40, vieram outros gigantes que fizeram o Rock and Roll explodir mundialmente: Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Bill Haley, Buddy Holly, Elvis Presley, Johnny Cash, Little Richard, Jackie Brenston e tantos outros grandes artistas nas mais diversas extensões do ritmo. Alguns fatos, lendas e criações musicais foram determinantes para que o Rock se tornasse vítima desse preconceito idiota. Exemplifico.
O icônico álbum de 1982 do Iron Maiden, intitulado "The Number of the Beast" ("O Número da Besta") foi associado ao diabo por repetir o número 666 no refrão da faixa-título. A canção apenas alerta o mundo sobre a presença de um demônio latente por aí fazendo as suas maldades costumeiras. A hilária história do morcego mordido pelo Ozzy é outro fato clássico. Ozzy Osbourne, o genial e controverso líder do Black Sabbath, já esclareceu esta história por várias vezes. Cantando em um show em Des Moines, Iowa, Estados Unidos, no dia 20 de janeiro de 1982, ele viu um fã jogar um morcego no palco. Pensando se tratar de um boneco de plástico, tomado pela adrenalina, sem raciocinar direito e tentando impressionar a plateia, rapidamente o apanhou, colocou-o na boca e mordeu a cabeça do bicho. Aí já era tarde, só aí ele percebeu que o bicho era de verdade, quando sentiu o sangue molhar sua boca. A cena bizarra entrou definitivamente para a História do Rock e ajudou a criar a lenda do grande e louco Ozzy. Apesar desta imagem de doidão drogado (sim, ele é dependente químico!), o cara é sereno, sensato, gentil e gente da melhor qualidade, sem qualquer traço de espírito demoníaco. Mas a lenda mais porreta, misteriosa e interessante do Rock é certamente a do guitarrista Robert Leroy Johnson. Ainda jovem, o rapaz do Mississipi tocava bem mal sua guitarra. De repente, ele apareceu tocando como um virtuose do instrumento, tornando-se um dos melhores guitarristas do mundo, influenciando milhares de outros artistas, entre eles Eric Clapton e o genial Bob Dylan. Reza a lenda que Johnson foi até uma encruzilhada entre as rodovias 61 e 49, em Charkdale, no Mississipi, e fez um pacto com o diabo, vendendo-lhe a alma em troca do dom mágico de tocar como ninguém sua guitarra. Johnson morreu cedo, no auge, aos 27 anos de idade, mas sua arte, "diabólica" ou não, continua viva e eterna.
Essas invenções todas bastante negativas sobre o Rock aparecem porque, como sempre, tem gente que precisa de respostas fáceis para questões complexas, com pouca clarividência e sem muita paciência para proveitosas, respeitosas e tranquilas discussões. E a verdade simples e direta é que o Rock sempre foi, é e será fonte da mais necessária rebeldia e protesto contra as injustiças e as tiranias em todos os lugares e setores da sociedade no mundo. Isso tudo e mais muita curtição e alegria.



Falei isso tudo só para registrar que o Rock não tem limites ou fronteiras para agradar a todos que apreciam uma boa e energética música, mesmo àqueles totalmente influenciados pela religião. Por que não espalhar a Palavra e os ensinamentos de Jesus Cristo através do Heavy Metal? Foi exatamente isto que fizeram três músicos que se converteram à religião e a Jesus no ano de 2000. Jonathan Shingai (vocal e guitarra), Marcelo Hiroaki (baixo) e Renato Shingai (bateria) decidiram criar a Banda Levitânea para fazer louvores e adorações a Deus, além de falar sobre o comportamento humano, sempre com letras positivas e edificantes. E tome-lhe Rock and Roll na caixa de som! A turma do Levitânea lançou seu primeiro e único álbum, intitulado "Maranata" em 2023, contendo 11 canções de puro Rock and Roll: "Yeshua", "Eu Quero Mais", "Maranata", "Manifesta", "Deus Estava Ali", "Na Cruz do Calvário", "Genesia", "Numa Rude Cruz", "Água da Vida", "Um Filho Teu" e "Eu Navegarei".


 
Ao contrário do que muitos pensam, são muitas as bandas que se utilizam do Rock and Roll e de outros ritmos mais pesados para louvar ao Senhor Deus, casos do "Resgate", "Fruto Sagrado", "Katsbarnea" e "Catedral". Que bom! A música não tem rótulos ou fronteiras. Ao fazer uma pesquisa bastante superficial, descobri também a banda "Oficina G3", de Rock e Metal, com temáticas cristãs, formada na cidade de São Paulo em 1987. Os fundadores foram Juninho Afram, Wagner García, Walter Lopes, Túlio Régis e Luciano Manga, mas apenas Juninho Afram (vocal e guitarra) continua da formação inicial, ao lado dos novos integrantes Duca Tambasco (baixo e vocal) e Jean Carllos (teclado e vocal). O álbum da banda de 2008 denominado "Depois da Guerra" foi premiado com o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Cristã em Língua Portuguesa em 2009. Outro destaque na seara religiosa do Rock é o cantor, compositor, palestrante e produtor musical Mauro Henrique, que integrou as bandas "Oficina G3", "Vértice" e "FullRange", mas que hoje segue carreira solo. 
A música é divina! Nada de ela ter qualquer compromisso com o demo, muito pelo contrário. Ela é criação de Deus, assim como o Homem. Não importa o ritmo, se Rock ou Funk, se Samba ou Valsa, se Bolero ou Forró. Música é alegria, prazer, encantamento, liberdade, rebeldia, luta contra as injustiças deste mundo tão cruel e desumano. O maldito diabo está sempre presente, mas nas almas dos canalhas que fazem a guerra, que bombardeiam escolas e hospitais, que fuzilam inocentes, que espalham mentiras, que não têm compaixão com os pobres, que são racistas, que cometem a homofobia, que praticam a covarde tortura, que destroem tudo por dinheiro e poder. A música é apenas do Bem, do Amor, do Encontro, da Generosidade, do Regozijo, da Diversão. Como dizia o velho e saudoso Raul Seixas, de forma irônica e zombeteira, o "diabo é o Pai do Rock". Acredita quem quiser! 
Um grande abraço espinosense.