Se tem uma coisa que faz falta a quem ama música como eu é não ter mais a loja física de discos no centro da cidade onde a gente se inteirava das novidades musicais, dos lançamentos dos álbuns, das músicas mais recentes a encantar o povo. Ir ali ouvir as canções, ler as letras nos encartes, admirar a arte das capas dos Long Plays era um enorme prazer. Depois era economizar o suado dinheiro do salário mais que mínimo para comprar os discos dos ídolos. Dá saudades da "Musical" de Júlio Figueiredo ali na Rua 9 de Março, ao lado do Banco do Brasil em Espinosa.
Hoje tudo mudou, quase todas as canções são lançadas individualmente na rede e ali mesmo são adquiridas, sem muita emoção ou contemplação. Não tem capa, não tem encarte, não tem matéria, não tem mais o objeto de desejo nas mãos. É bom? É, sim. Talvez eu esteja muito saudosista. Pode ser. Mas um pouco de magia é indispensável para um melhor desfrute da arte e da cultura. Assim também me sinto desapontado no cinema atualmente, onde ficou no passado todo aquele ambiente montado para acolher maravilhosamente bem o espectador antes de o filme ser mostrado na tela grande. Dá saudades também do belo e confortável Cine Coronel Tolentino na Praça Antonino Neves.
Mas vamos falar de música, e de música boa, de Samba, o tão brasileiro Samba. É que no seu mais recente trabalho, o álbum intitulado "Mais Feliz" de setembro de 2019, o excelente cantor e pessoa humana Zeca Pagodinho fala de tudo um pouco, sempre com muito romantismo e bom humor. Na música título do álbum, ele confessa seu amor pela mulher amada com versos da dupla Paulinho Rezende e Toninho Geraes: "Cuida de mim, porque você é o mais real dos sonhos meus, no temporal, você é meu farol de milha, meu Sol não brilha sem a luz dos olhos teus..."
Em seguida, os versos de Gabrielzinho do Irajá e Dunga de Vila Isabel prometem não magoar o seu amor de maneira nenhuma na canção "Não Vou Magoar Meu Amor". A "Sexta-Feira", tão esperada pelos boêmios e proletários, vira tema dos compositores Alamir Kintal, Levy Vianna, Marquinhos FM e Roberto Lopes. A mensagem é clara, mané: "Se liga na arte, samba é patrimônio cultural". Para afirmar que "O Sol Nascerá (A Sorrir)", dos gigantes Cartola e Elton Medeiros, Zeca tem a companhia cintilante de Teresa Cristina, na música que virou tema da novela Bom Sucesso. A mensagem é de esperança em um futuro breve e melhor e mais livre e mais justo: "Finda a tempestade, o Sol nascerá".
"Permanência", de Nelson Rufino, lamenta o amor perdido. O bom humor, tão característico de Zeca, aparece na música de Marquinhos Diniz e Rosania Alves, "O Carro do Ovo". "Na Cara da Sociedade", da dupla Claudemir e Serginho Meriti, se lamenta os tempos sombrios atuais da "ignorância dos votos nos bons homens maus" e da falta de segurança e paz, mas não deixa de manter a esperança de que, com o Cristo de braços abertos, o povo não perde essa luta jamais. Zeca Pagodinho aparece como compositor na música "Enquanto Deus Me Proteja", ao lado de Moacyr Luz, tratando das dores dos amores. Rafael Delgado e Ronaldo Barcelos participam do álbum com a canção "Quem Casa Quer Casa", um retrato do desejo justo do cidadão de ter um barraco decente para viver em paz com seu amor.
Outra participação especial no disco é a de Xande de Pilares, que canta junto com Zeca sua música "Dependente do Amor", composta com os parceiros Gilson Bernini e Brasil do Quintal. O tema é mais uma vez o amor, a súplica pela reconciliação com a amada. Os Procópios, César, Fernando e Serginho, trazem nos versos de "Um é Ruim, Outro é Pior" a contenda de nordestinos onde é melhor ficar calado e não se meter na confusão. Mauro Diniz e Monarco comparecem com "Peregrinação", uma canção cheia de amor e preocupação com a amada. "Nuvens Brancas de Paz", de Arlindo Cruz, Marcelinho Moreira e mais uma vez Zeca Pagodinho, fala do amor, principalmente pela Portela. Para fechar o disco, na regravação de "Apelo", de Baden Powell e do poetinha Vinícius de Moraes, o artista é acompanhado dos músicos Hamilton de Holanda (bandolim) e Yamandu Costa (violão de 7 cordas).
"Mais Feliz" é puro Zeca Pagodinho, exposto desde a fotografia da capa do disco, com um sorridente Zeca diante de um muro de uma humilde casa da periferia, estampado com o nome da canção que dá título ao seu 24º álbum de estúdio na longa e vitoriosa carreira. Lançado pela Universal Music, "Mais Feliz" é composto por 14 faixas, com 11 músicas inéditas e 3 regravações. O álbum é dedicado por Zeca ao seu parceiro, amigo e compadre Arlindo Cruz, atualmente enfermo.
O menino nascido em Irajá aos 4 de fevereiro de 1959 e batizado como Jessé Gomes da Silva Filho para depois se transformar no premiado, elogiado, amado e respeitado artista Zeca Pagodinho, é povo, é cidadão, é talento, é humildade, é tesouro da nossa canção. Vida longa ao Zeca e ao Samba! E que continue a espalhar alegria e esperança por todos os terreiros por outros mais 60 anos, como bem ensinou a saudosa madrinha Beth Carvalho!
Um grande abraço espinosense.