Ah, o futebol! Nenhum esporte é tão imprevisível, tão atribulado e tão efervescente quanto o futebol. Neste ano surreal em que a pandemia do novo Coronavírus colocou o mundo de joelhos, fazendo-nos lembrar que somos, os seres humanos, apenas partículas mínimas e frágeis de uma Natureza infinita, bela e poderosa, eis que o cenário futebolístico das Minas Gerais, limitado aos dois clubes de maior torcida do estado, mostra-se totalmente dissemelhante. Enquanto o Atlético brilha com o primeiro lugar na tabela de classificação na Série A, o seu arquirrival Cruzeiro patina na Série B amargando a zona de rebaixamento.
Cenários completamente distintos separam Atlético e Cruzeiro neste final de mês de setembro de 2020. O Cruzeiro amarga uma das piores e mais desesperadoras fases da sua longa e vitoriosa trajetória, às vésperas de completar seu centenário de fundação. É difícil imaginar e entender como o clube que venceu, na última década, dois Campeonatos Brasileiros (em 2013 e 2014) e duas Copas do Brasil (em 2017 e 2018), além de quatro Campeonatos Mineiros (em 2011, 2014, 2018 e 2019), tenha se afundado tão fragorosamente no cenário esportivo nacional a ponto de correr risco de não conseguir o retorno à primeira divisão e talvez, no pior dos cenários, cair para a Série C, realidades catastróficas jamais sequer sonhadas pela sua apaixonada torcida. A via-crúcis em que caminha o clube celeste é o resultado de péssimas administrações que foram irresponsáveis a ponto de colocar o clube, antes tão organizado e bem estruturado, com risco de insolvência, devido a enorme quantidade de dívidas a pagar, muitas delas em curto prazo. Informações da mídia relatam quase R$ 1 bilhão em dívidas. A conjuntura financeira do clube deteriorou-se rapidamente com gastos exorbitantes com altos salários e comissões pagas a atletas, comissão técnica e empresários, desembocando em uma situação praticamente insolúvel. Negócios nebulosos internos foram parar até na Justiça, que investiga crimes cometidos por dirigentes. Em pouco tempo, a imagem de time bem estruturado e vencedor evaporou, levando a consequências trágicas como a queda para a segunda divisão no ano passado. Se isso não bastasse, logo depois o clube foi punido pela FIFA com a perda de seis pontos pela não quitação da dívida com o Al Wahda, dos Emirados Árabes, referente ao empréstimo do volante Denilson. Em outra punição, não pode ainda registrar novos jogadores. Com o time em frangalhos, com a debandada geral dos medalhões que atuavam até então, a solução foi limitar salários e apostar na garotada formada na base. Acontece que o clube possui muitos bons valores, como o zagueiro Cacá, o meia Maurício e o lateral Matheus Pereira, mas a falta de entrosamento e a pressão por resultados imediatos desfavorece a tranquilidade e a boa performance do time. Com um aproveitamento de 42,4%, com quatro vitórias, dois empates e cinco derrotas na competição até aqui, o Cruzeiro está na 17ª posição na tabela de classificação, a primeira da zona do rebaixamento, com apenas oito pontos ganhos em 11 partidas disputadas. O cenário realmente não é dos mais coloridos e esperançosos, mas eu acredito que esta fase terrível será contornada em breve e o Cruzeiro conseguirá se safar do rebaixamento para a Série C. A mesma certeza, porém, não tenho quanto ao acesso à Série A, tarefa bem mais complicada, mas não impossível de se realizar. O retrato hoje da situação cruzeirense é triste e desanimador, mas tudo pode acontecer no futebol. Já vi o Fluminense, com mais de 90% de chances de ser rebaixado, empreender uma reação espetacular e conseguir se salvar, com todos os méritos. O Cruzeiro tem, portanto, todas as condições de se acertar e iniciar uma reação extraordinária, com uma série de vitórias seguidas que lhe possam garantir, se não o título, pelo menos uma das vagas para a primeira divisão de onde jamais deveria ter saído. Boa sorte ao Cruzeiro! O desejo de boa sorte não impede que nós, atleticanos, aproveitemos a fase negativa, desesperadora e vexatória do time arquirrival em campo, para zoar bastante os amigos torcedores celestes. Faz parte do futebol a gozação, a zoeira, as brincadeiras, sempre com alegria, paz e respeito, obviamente.
O Atlético navega em céu de brigadeiro. Cenário mais feliz não há. Até os principais adversários estão ajudando, empatando ou perdendo seus jogos. O time alvinegro das Minas Gerais lidera isoladamente o Campeonato Brasileiro com aproveitamento de 72,7%, com 24 pontos ganhos em 11 rodadas. Foram oito vitórias e três derrotas, sem nenhum empate e com o melhor ataque da competição, 21 gols marcados. É o estilo Jorge Sampaoli em ação: atacar sempre, em qualquer situação. E ver isso acontecendo é muito gratificante para nós, atleticanos apreciadores do futebol-arte ofensivo e vitorioso. Ver o time jogar com intensidade, com raça, com dedicação, com velocidade, com posse de bola, com apetite de balançar as redes adversárias é muito recompensador. O tão esperado título de Campeão Brasileiro finalmente virá? Não sei, só os deuses do futebol saberão. Se há algo que não existe no futebol é certeza absoluta. Tudo pode acontecer em um jogo ou em uma competição, as mais inesperadas situações. Então, que nós, atleticanos, tenhamos paciência e humildade para comemorar sim, cada gol, cada vitória, cada triunfo, mas sempre com os pés no chão, sabendo que tudo o que vai indo maravilhosamente bem, pode desmoronar rapidamente.
Uma reflexão atenta, profunda e desapaixonada do panorama atual do Brasileirão 2020 traz boas perspectivas para o Atlético. O time tem um dos melhores treinadores do país, possui um elenco de boa qualidade mesmo com algumas carências e está se ajustando a cada dia, melhorando o entrosamento e se adaptando ao estilo de jogo agitado, dinâmico e ofensivo proposto pelo Sampaoli. Como uma vantagem de suma importância, o Atlético já não disputa outras competições como Libertadores e Copa do Brasil, como alguns dos seus maiores adversários na corrida pelo título do Brasileirão. Isso sim faz diferença na parte física e até psicológica. Resta ao Atlético manter o foco e a modéstia, respeitando todos os oponentes e se precavendo para não perder jogadores importantes por contusões e suspensões. E, claro, mantendo a performance atual sempre em busca da vitória e contando com atuações expressivas de jogadores como Keno, que vinha bastante mal e rendendo pouco, e que repentinamente despertou da inércia e deslanchou positivamente realizando hat-tricks e levando o time a grandes vitórias. Que assim continue para alegria da apaixonada Massa Atleticana. Sonhar é possível, e o sonho do título brasileiro está mais vivo do que nunca!
Um grande abraço espinosense.