Na reta final da campanha presidencial mais turbulenta e suja da História, com a atenção da população quase que completamente centrada nas eleições, um personagem de extrema importância para a Cultura brasileira, especialmente a Música, nos deixou quase que sorrateiramente, sem estardalhaço. Morreu, na noite do sábado, 22 de outubro, o poeta, escritor e músico Luiz Dias Galvão. O menino que veio ao mundo na cidade baiana de Juazeiro no dia 22 de julho de 1935 mas que só foi registrado no cartório dois anos depois, em 1937, foi a alma do grupo musical Novos Baianos. Apaixonado por futebol, o jovem se formou em Agronomia, mas a paixão maior foi a música. Era bom de bola, tanto é que foi campeão baiano de futebol de salão. Jogou futebol de campo em várias equipes de Juazeiro, mostrando seu talento.
Em 1969, após protagonizar o espetáculo "O Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal", no Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia, ao lado de Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Galvão seguiu adiante na ideia de fazer música. Em 1970, já como 'Novos Baianos", lançaram o primeiro álbum, "É Ferro na Boneca", que não fez sucesso. Já acomodados no Rio de Janeiro, lançaram o segundo disco, "Acabou Chorare", obra que os colocaria definitivamente no topo do cenário musical brasileiro.
Os Novos Baianos revolucionaram a música brasileira, com seus discos plurais e originais, com sua irreverência e com seu estilo de vida hippie comunitário em que viveram por algum tempo, em uma cobertura de Botafogo na Conde de Irajá e no sítio "Cantinho do Vovô", no bairro de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, em plena ditadura militar. Além de Luiz Galvão, fizeram história com a banda os artistas Paulo Roberto Figueiredo de Oliveira, o Paulinho Boca de Cantor, Antônio Carlos Moraes Pires, o Moraes Moreira, e mais Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Jorge Gomes, Dadi, Charles Negrita, Baixinho, Bola Morais e Gato Félix.
O álbum "Acabou Chorare" é a obra-prima da turma, eleito pela revista Rolling Stone em 2007 como o melhor disco da história da música brasileira. A banda lançou oito discos de estúdio e mais dois álbuns gravados ao vivo das reuniões posteriores do grupo, um em 1997 e outro em 2017. Além de composições como "Acabou Chorare", "Preta Pretinha", "A Menina Dança", "Ferro Na Boneca", "Tinindo Trincando" e "Mistério do Planeta", Galvão é autor dos livros "Novos Baianos: A História do Grupo Que Mudou a MPB"; "João Gilberto: a Bossa" e "Anos 80: A História de Uma Amizade na Década Perdida". Há ainda o disco solo "Galvão, A Palavra dos Novos Baianos".
Influenciado magnificamente pelo gênio João Gilberto, Galvão criou letras bem-humoradas e apaixonantes, entrando para sempre para o panteão dos gigantes da Música Popular Brasileira. Luiz Galvão tinha 87 anos. Deixa a mulher Janete e os filhos Kashi, Lahiri, Angelo e Cecéu.
Uma pena que boa parte deste nosso país ainda insiste em não valorizar os seus grandes artistas. Quem sabe um dia adiante?
Um grande abraço espinosense.
"Lei Orgânica"
Luiz Galvão
"Quero ver de novo, ovo-ovo-ovo
Elo-elo-elo, verde e amarelo
Na escola pública, reinando o ensino
Igual quando eu era menino
Quem sabe um dia todo mundo venha ter a mesma alegria
Que tem o povo do Rio de Janeiro e da Bahia
A gente aprenda com São Paulo a rolar o dinheiro
Também no Brasil inteiro
Se fosse por nós a vida aqui seria uma beleza
Com pão e amor à mesa
Mas o momento é deveras delicado
Puxa, há tanto praticado que não trás chuva ao roçado
O consumismo, a violência
O uso inadequado da Ciência
Muita gente avançando o sinal
O desmatamento e o aquecimento global
Mas vamos tocando o barco dando a remada inicial
E deixando o resto com o vento e a vela
Que apesar de tudo, a vida é boa e ainda é bela"