Caramba! Fazia tempo que não ria tanto assim. Hoje descobri um vídeo hilário publicado pelo meu amigo Roberto Lelis Stehling no Facebook, mostrando uma disputa de pênaltis em algum lugar na cidade de Macapá, capital do Amapá. A cena é completamente hilariante. Em um campo de terra batida como tantos outros em que já joguei bola na vida, as equipes do Cruzeiro de Repartição e do São Caetano de São Chico decidem a classificação para a fase seguinte da "Champions League" na disputa de pênaltis. E que disputa sensacional! Os cobradores foram vários: Cafuringa, Lourão, Gílson, Erivélton, Beiçola, Tóin de Adelaíde, Nego, Henrique, Édson, Isael, Francisco, Álisson, Denílson, Dildo, Baldo, Marcelo. A eficiência desses cobradores é que deixou a desejar, em contraponto ao desempenho espetacular dos goleiros Isael, do Cruzeiro, e Nego, do São Caetano.
Mas o que é extremamente engraçado é a atuação dos "profissionais" na narração da decisão nos pênaltis, com o espirituoso narrador não identificado e o competente comentarista Gonzales, "a fera, o maior de todos os tempos". Durante a narração, o locutor solta pérolas como essas: "Juizão Dudu, ele que é muito jovem e está nascendo cabelo agora"; "O juizão que não sabe ler"; "Sentar o sapato na branquela"; "O Gonzales, que já bateram 112 pênaltis nele numa única partida e ele defendeu todos os 111"; "A fera Henrique, ele que tem um histórico muito bom de errar pênalti"; "Já chegamos a 9 minutos de penalidades aqui na Champions League, tá mais longo que o jogo"; Respirou fundo, tirou as remelas do olhos"; "A torcida tá pedindo a moeda, Gonzales"; "Se perder, vai vender coentro"; até finalizar com "TV Sem Cultura, onde o futuro é morte. Até nunca!"
Simplesmente sensacional, um retrato fiel da nossa realidade esportiva e da imensa criatividade e bom humor desse nosso maravilhoso povo brasileiro. Isso sim é Brasil!
A nossa vida é constituída de várias e íngremes ladeiras dispersas em um longo caminho de idas e vindas. Por vezes estamos em plena sensação de felicidade, sobretudo nas ocasiões de vitórias conquistadas. Por outro lado, em certos momentos de derrota, em especial as mais inesperadas, o sentimento de tristeza e decepção é excruciante. Definitivamente, a vida é dura, porém encantadora.
Se é assim na vida, também assim funciona no esporte mais amado por nós, brasileiros. Há 35 anos, exatamente no dia 5 de julho de 1982, no Estádio Sarriá em Barcelona, a Seleção Brasileira que encantou e ainda encanta o mundo do futebol, era eliminada de maneira dramática pela Seleção Italiana na Copa do Mundo da Espanha. Mesmo que o velho estádio tenha sido implodido em 1997 e não exista mais, aquelas lembranças do futebol mágico, técnico, fascinante, envolvente e que era (e continua sendo) reverenciado pelos amantes do futebol por todo o mundo jamais se apagarão das nossas memórias.
Naqueles tempos maravilhosos da minha vida, em que fui entusiasticamente feliz mesmo vivendo em tempos sombrios de ditadura militar, poder assistir na TV aos jogos da Copa do Mundo foi uma dádiva de Deus. Reuníamo-nos no Bar Recanto da Lagoa, de propriedade de Dona Cida de Seu Domingos, ali no início da Praça José Osvaldo Tolentino, local também conhecido como Praça de Paulo Cruz, ex-prefeito. O bar e restaurante era o point preferido da juventude da cidade naquela época. E foi lá que assistimos à estreia do Brasil na Copa da Espanha, partida contra a União Soviética, a URSS que já não existe. Estávamos todos ansiosos, felizes, otimistas e encantados com aquele timaço recheado de craques. Só que aos 34 minutos do primeiro tempo, a surpresa indesejada. Andriy Bal chutou de fora da área e o nosso goleiro Waldir Peres engoliu um frangaço, 1 x 0 para a URSS. Surpresa sim, desespero não, pois a confiança no futebol daqueles caras era total. E o empate veio, só no segundo tempo, aos 30 minutos, com um belo gol do genial Sócrates. O Magrão recolheu um rebote da defesa soviética, driblou com maestria dois adversários e lançou um tirambaço no canto direito do excelente goleiro Rinat Fayzrakhmanovich Dasayev. Chute indefensável. Uma alegria tamanha nas mesas apinhadas de gente com camisas e bandeiras amarelas e copos cheios de cerveja. E esse contentamento exacerbado só iria aumentar pouco tempo depois, aos 43 minutos, quando Paulo Isidoro deu passe pela direita para Falcão, que inteligentemente abriu as pernas, deixando passar a bola para Éder, que a ajeitou com um leve toque e desferiu um petardo de perna esquerda no ângulo esquerdo do gol da União Soviética, deixando sem ação o Dasayev. Estava decretada a primeira vitória da Seleção Brasileira na Copa, exatamente no dia 14 de Junho de 1982, no Estádio Ramón Sánchez Pizjuán, em Sevilha, pela primeira rodada da primeira fase do Grupo F, diante de 60 mil espectadores.
A partida seguinte foi realizada no dia 18 de Junho, no Estádio Benito Villamarín, também em Sevilha, com 47.379 espectadores assistindo. O Brasil ganhou fácil da Escócia com o placar de 4 x 1 (começou perdendo, gol de David Narey aos 18 minutos), com gols de Zico (aos 33 minutos, em cobrança magistral de falta sofrida por Toninho Cerezzo), Oscar (aos 3 minutos do 2º tempo, de cabeça após cobrança de escanteio de Júnior), Éder (18 do 2º tempo, em um lindo toque por cima do goleiro após passe de Serginho. A jogada começou ainda com Waldir Peres tocando para Falcão, que passou para Sócrates tocar no Serginho e daí para o golaço de Éder.) e Falcão (aos 42 do 2º tempo, batendo de fora da área depois de passe de Sócrates).
A terceira e última partida da primeira fase foi outra goleada, desta vez contra a Nova Zelândia: 4 x 0.
43 mil pessoas estiveram no dia 23 de Junho no Estádio Benito Villamarín para assistir a mais um show do escrete canarinho. Zico, o Galinho de Quintino, marcou duas vezes, aos 28 e aos 31 minutos do 1º tempo. O primeiro gol teve no início o tradicional toque de calcanhar de Sócrates para Toninho Cerezzo, que tocou na direita para Leandro cruzar na área e Zico finalizar de primeira, de perna direita, um golaço de voleio. O segundo foi bonito pela construção da jogada, de pé em pé, passando por Zico, Sócrates até o passe perfeito de Leandro para a finalização tranquila do craque da camisa 10. E também foi de pé em pé a jogada que culminou com o lançamento de Zico para Falcão na direita penetrar na área e marcar o 3º gol brasileiro. Para fechar a goleada, Serginho fez o 4º gol, aproveitando cruzamento de Zico. O Brasil, com as 3 vitórias sobre União Soviética, Escócia e Nova Zelândia na primeira fase, estava classificado para a 2ª fase.
Na Copa do Mundo de 1982, a 12ª edição e a 1ª a contar com 24 seleções, o regulamento era diferente do atual. Após a fase inicial, viria a 2ª fase com grupos de 3 equipes jogando entre si. E o Brasil caiu no grupo 3 ao lado de ninguém menos que Argentina e Itália. O primeiro adversário foi a Argentina, em partida realizada no Estádio Sarriá, em Barcelona, com 44 mil espectadores no dia 2 de julho. No clássico sul-americano em terras espanholas, o Brasil saiu na frente com um gol de incrível oportunismo de Zico aos 11 minutos de jogo, após uma bomba de Éder na cobrança de falta que explodiu no travessão de Ubaldo Fillol. O segundo gol brasileiro veio em outra boa troca de passes entre Éder, Zico, Falcão e a finalização de Serginho, de cabeça. Brasil, 2 x 0 aos 21 minutos da 2º etapa. E teria mais. Zico enfiou uma bola no meio da defesa argentina para Júnior penetrar livre pela esquerda para marcar o terceiro gol brasileiro aos 30 minutos do 2º tempo. A gente não conseguia conter a alegria que explodia em nossos corações. Era uma euforia imensurável! Aquele time era fantástico, genial, maravilhoso e mais um caminhão de outros bons adjetivos. A Argentina até diminuiu aos 44 minutos do 2º tempo, com um gol de Ramon Díaz, mas ninguém nem queria saber, pois a vitória já estava sacramentada. Saímos, como em todas as vitórias, pelas ruas de Espinosa em carreata, em um sentimento de prazer indescritível. Todo mundo de verde e amarelo, gritando, bebendo e festejando aquele futebol espetacular do time de Telê Santana.
O dia 5 de julho de 1982 entraria para a história do esporte mundial como um dos mais decepcionantes para os amantes do futebol de alta qualidade, o futebol-arte. No mesmo Estádio Sarriá onde havíamos batido, sem grande dificuldades, a Argentina, o Brasil enfrentou a Itália, que vinha de performances irregulares até então. O empate favorecia o time brasileiro. A Itália só havia vencido um jogo na Copa, enquanto o Brasil havia ganhado todos os seus confrontos anteriores. A confiança era total em uma vitória brasileira. Lembro-me de que demos uma pausa no trabalho para assistir ao jogo. Com o horário do jogo sendo na parte da tarde, teríamos que voltar ao trabalho logo depois. A cerveja e a comemoração ficariam para mais tarde. Com um simples empate o Brasil se classificaria para as semifinais, mas aquele time de DNA ofensivo não jogava para empatar. O primeiro susto porém veio cedo. Nem bem havia iniciado o jogo e o atacante Paolo Rossi já mostrava que naquela fatídica tarde ele estava iluminado pelo destino. Depois de um cruzamento de Cabrini pela esquerda, ele cabeceou com firmeza e abriu o placar para a Itália. Uma surpresa para todos nós. Mas a confiança era tamanha que ninguém se preocupou muito, pois tínhamos quase certeza absoluta de que o empate viria rapidamente. E logo aos 11 minutos, em mais uma jogada de troca de passes e infiltração de jogadores do meio campo, uma característica forte daquela equipe, Sócrates tabelou com Zico, que devolveu a bola colocando o capitão do time em ótima condição para marcar o primeiro gol. Tudo voltava ao cenário esperado. Mas uma fatal desatenção na defesa, aos 25 minutos, com Cerezzo tocando a bola entre Luizinho e Falcão, que se desentenderam, deu a chance ao endemoniado Paolo Rossi para avançar e bater forte para colocar novamente a Itália na frente do placar, 2 x 1. Que coisa maluca aquela! A Itália, totalmente desacreditada, vencendo o timaço do Brasil. Mas ainda acreditávamos que aquela situação indesejável era momentânea. E assim foi. Júnior recebeu na esquerda, driblou para o meio e tocou para Falcão no lado direito do ataque. Toninho Cerezzo fez a infiltração na área, levando a marcação de dois italianos, o que permitiu um bom espaço para Falcão aproveitar a chance de arrematar de perna esquerda, com violência, no canto esquerdo do goleiro Dino Zoff. Estava tudo igual de novo no placar. E com aquele resultado estava classificada a Seleção Brasileira. Aí aconteceu a tragédia inimaginável no Estádio Sarriá. Aos 29 minutos do 2º tempo, após cobrança de escanteio, a bola sobra para o iluminado Paolo Rossi desviar para o fundo do gol de Waldir Peres, escrevendo uma das maiores injustiças na história do futebol mundial. O time que encantou o mundo com aquele futebol-arte, com aquela incrível qualidade técnica, com eficiente troca de passes e movimentação constante e com belíssimas jogadas e gols estava eliminada da competição. Neste dia vivi um dos momentos mais tristes e decepcionantes da minha longa história de apaixonado pelo futebol. Como pode, às vezes, ser o futebol tão surpreendente e injusto? Aquele time e suas apresentações de gala jamais sairão da minha memória: Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior; Toninho Cerezzo, Falcão, Zico e Sócrates; Serginho e Éder. Treinador: Telê Santana. Esses caras me fizeram muito feliz, mesmo que a tristeza tenha explodido de forma tão dura nesta batalha perdida para a Itália. Mas valeu, e quanto!