Nada tão encantador, quanto sonhar. Melhor ainda quando se pode tornar reais os sonhos. E essa foi a sina do engenheiro e empreendedor brasileiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel. Nascido na cidade paulista de Franca, em 26 de março de 1926, Gurgel sempre foi apaixonado por carros. E tinha na mente sonhadora, o desejo de fazer realidade a criação de um automóvel genuinamente brasileiro. Na juventude, entrou para a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde se formou em engenharia mecânica. Viajou para os Estados Unidos, onde foi estudar no General Motors Institute e conheceu tudo sobre fibra de vidro, matéria-prima fundamental na concepção dos seus futuros carros. Depois de retornar ao Brasil, nos anos 60, abriu uma empresa para fabricar autopeças e carrocerias de fibra de vidro. Começou então a produzir seus primeiros projetos, entre eles bugues, karts e minicarros para crianças. O bugue Ipanema, com chassi e mecânica de Fusca é desse período. Já nesta época iniciou a construção de protótipos de carros elétricos, então uma grande novidade. Até que em 1969, passou definitivamente a tornar real o sonho, com a fundação, na cidade de Rio Claro, interior de São Paulo, da Gurgel Motores S. A. A partir daí, começaram a sair da linha de produção os seus projetos de automóveis, como o primeiro utilitário, o Ipanema. Um dos primeiros sucessos de vendas foi o o utilitário Xavante XT, lançado em 1970. Inaugurou, em 1975, as novas e gigantes instalações da sua fábrica, também em Rio Claro. Em 1976, lançou o Xavante X-12 TR, com uma garantia impensável à época, de 100.000 km. Gurgel teve a seu favor, a partir de 1976, as restrições impostas pelo governo à importação de veículos. Outra vantagem conseguida por ele junto ao governo foi a decretação de uma redução do IPI para 5%, enquanto os outros carros tinham um imposto de 25%. Aproveitando a boa maré, Gurgel levou a sua empresa a ser o primeiro exportador de veículos especiais do Brasil.
Em 1981 lançou uma van elétrica de nome Itaipu. Neste mesmo ano, passou a fabricar o seu primeiro carro de passeio, o XEF, que não agradou muito.
Em 1981 lançou uma van elétrica de nome Itaipu. Neste mesmo ano, passou a fabricar o seu primeiro carro de passeio, o XEF, que não agradou muito.
No ano de 1986 foram lançados o Tocantins e o Carajás. E viriam depois o Supermini e o Motomachine. Mas o projeto mais ambicioso de Gurgel foi o CENA (Carro Econômico Nacional), um automóvel de fabricação totalmente nacional, desde o design até a produção em série iniciada no ano de 1988, quando passou a se chamar BR-800, para não se aproveitar do sucesso de Senna (Ayrton), então em alta na Fórmula 1. Foi então criado um plano ambicioso de marketing. A ideia era que o consumidor, ao comprar o BR-800 através de ações, se tornasse sócio da empresa. O carro só seria vendido nesta condição, e foi um sucesso de vendas. Tudo parecia ir maravilhosamente bem, mas o sonho começou a ruir em 1990, quando o governo de Fernando Collor de Mello liberou a importação de automóveis e isentou de IPI os carros com motores até 1.000 cm³. Aí a concorrência foi cruel, com as montadoras estrangeiras lançando carros mais modernos e baratos, e os problemas começaram. Até uma greve dos funcionários da Receita Federal foi decisiva para atrapalhar a empresa, com bloqueio de componentes indispensáveis para a construção dos carros. Sem produção, as finanças se deterioraram rapidamente, o que levou em 1993 a Gurgel Motores a pedir concordata. Tendo pedidos de empréstimos recusados, não houve outra saída senão a decretação da falência em 1995. O que restou de bens da empresa foi leiloado para pagar os direitos trabalhistas dos funcionários, enquanto uma dívida de cerca de R$ 280 milhões ficou impagável.
Gurgel viu o seu sonho se esfarelar, o que lhe causou enorme tristeza, e tempos depois foi diagnosticado com o Mal de Alzheimer. Em 30 de janeiro de 2009, faleceu aos 82 anos em Rio Claro (SP). O sonho havia acabado. Mas foi, pelo menos durante algum tempo, 26 anos, um sonho realizado, com cerca de 40 mil automóveis produzidos no país.
Um grande abraço espinosense.
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