Rua Coronel Domingos Tolentino, mais conhecida como Rua da Resina, esquina com Rua Arthur Bernardes. Neste específico espaço urbano da minha amada Espinosa vivi alguns dos meus mais maravilhosos momentos nesta já longa vida. Ali na calçada, ou sobre os paralelepípedos disformes da rua, descobri o prazer da paixão ao dar o meu primeiro beijo; participei de conversas as mais proveitosas com amigos e amigas; levei alguns cascudos dos mais velhos e violentos; brinquei de "dupla", de "quatro cantos", de "curriãozinho queimado" e das mais variadas formas de reinações junto com meninos e meninas; joguei futebol descalço machucando os dedos dos pés nas pedras; estive presente em rodas de criação de charadas e participei de muitas e muitas rodas de bate-papo em que se sobressaíam meu Tio Luizão alfaiate, Seu Vavá da Minas Caixa, Seu João Meira do cartório e meu saudoso amigo atleticano Nenzão. Fui especialmente abençoado por Deus por poder usufruir desse círculo de paz, harmonia e felicidade ao lado de tantos personagens inesquecíveis que jamais sairão do coração e da memória.
Rua Arthur Bernardes, esquina com Rua Coronel Domingos Tolentino |
Se naquele pequeno espaço externo fui tão feliz, o mesmo se deu no interior do belo casarão da esquina onde moraram minha avó materna Judith e meu tio Luizão até o fim dos seus dias. Ali escutávamos os mais surreais "causos"; ali escrevíamos os versos da queima anual do Judas na Semana Santa; ali subíamos em disparada tonitruante a escada de madeira maciça que levava ao sótão para brincar; ali comíamos rapadura, requeijão e "tijolo" retirados furtivamente da despensa de Madrinha Judith, como carinhosamente a chamávamos. Lembro-me das nossas travessuras naquele lugar mágico e totalmente imerso em liberdade. Uma certa vez, subimos ao sótão e das suas duas janelas lá em cima, em confronto contra "guerreiros inimigos" postados lá embaixo na rua, protagonizamos a maior guerra de lançamento de caroços de mamona já registrada em Espinosa e no Sertão Norte-Mineiro. Após a bagunça escondida de alguns intensos minutos, a parede completamente manchada de verde por conta dos caroços de mamona atirados nos delatou e nos valeu uma enorme bronca e um doloroso puxão de orelhas. Em outras ocasiões, estas mais corriqueiras, a brincadeira era se posicionar no chão de madeira do sótão e lá de cima, através de um buraquinho entre as tábuas, cuspir em direção da cabeça de um convidado desavisado a se sentar confortavelmente na poltrona estrategicamente posicionada na sala de entrada. Havia também quem enganasse os de boa visão e desmedida cobiça, baixando uma nota de cruzeiro amarrada em um fio de nylon pelo mesmo buraco, içando rapidamente quando da tentativa do espertinho de recolhê-la. Coisas de meninos travessos.
Minha Madrinha Judith, à esquerda, junto com minha Madrinha Joana |
Meu Tio Luizão diante do velho casarão que o acolheu a vida inteira |
Imagem de Júnia Tanúsia Antunes Meira |
Minha Madrinha Judith se foi, com sua força absoluta no corpo frágil e miúdo e sua integridade, candura e amor tão grandes por nós, seus netos traquinas que lhe causavam pequenos constantes dissabores. Também se foi meu tio Luizão deixando a saudade dos seus "causos" deveras curiosos e suas canções cativantes. Assim como desapareceu para sempre o imponente casarão de propriedade de Seu Boaventura, aquele imóvel de imensas portas e janelas por onde passamos tantas e tantas vezes com extrema alegria e felicidade em companhia de pessoas tão queridas. O casarão sumiu de repente, ou melhor, não tão de repente, faça-se justiça. Merece registro e elogio que seu dono, seu Boaventura, manteve a palavra de permitir, à minha avó Judith e ao meu tio Luizão, a morada até o final da vida, só se desfazendo do imóvel quando estes já não pertenciam a este nosso mundo. A ele e aos seus familiares, o meu eterno agradecimento.
O casarão já não existe mais, assim como seu teto de vigorosas toras de madeira, sua escada também de madeira barulhenta ao pisar forte da meninada, seu sótão de mágicas brincadeiras, suas janelas largas e pesadas e ainda aquela frondosa mangueira que nos alimentou durante anos com as mais saborosas mangas rosa que um dia experimentei na vida.
O casarão é passado, os momentos maravilhosos ali vividos também, mas a emoção e o prazer de ter vivenciado tantos afortunados e divertidos acontecimentos naquele lugar, ao lado de pessoas tão queridas, estarão para sempre eternizados na minha alma e no meu coração.
Um grande abraço espinosense.
3 comentários:
Belíssimo texto!
Tocante!
Pena que o casarão não exista mais.
Táquio, posso furtar o título da sua postagem? Quero incluir nessas memórias o cineminha- de caixas de sapatos e desenhos feitos no "papel manteiga" projetados na parede do velho sótão. Era a matinê mais emocionante e esperada pelos meninos da Resina. Ah! O casarão deixou um vazio na rua que só quem viveu a sua história é capaz de sentir. O nosso olhar para o "seu lugar" não dá conta de mensurar a saudade sentida. Grande abraço espinosense. Júnia Meira
Que bom que gostou, Nuza! Boa lembrança! O cinema era obra do talentoso Carlos Magno, o Magrão, que sempre foi o mais inventivo na área cultural da nossa rua amada.
Um grande abraço resinense!
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