Moderna, irrequieta, atuante, irônica, sagaz, libertária, criativa, sofisticada, rebelde, revolucionária, irreverente, corajosa, crítica, verdadeira, livre, contestadora, divertida, democrata, roqueira e, principalmente, talentosa, a eterna Rita Lee Jones de Carvalho deixou sua marca indelével na história gloriosa da Música Popular Brasileira. Ela, que acabou de falecer aos 75 anos de idade, manterá, certamente por muitos anos, milhões de admiradores espalhados por todo o Brasil.
Rita Lee nasceu em São Paulo, capital, em 31 de dezembro de 1947, mesma cidade em que morreu anteontem, 8 de maio de 2023, vítima de um câncer de pulmão. Por conta de sua brilhante trajetória na música, como instrumentista, cantora e compositora, foi nomeada a "Rainha do Rock Brasileiro", apesar de ter viajado em vários outros ritmos com grande sucesso. A filha mais nova do dentista Charles Fenley Jones (1904–1983) e da dona de casa Romilda Padula (1904–1986) e irmã das meninas Mary Lee Jones e Virgínia Lee Jones, começou ainda cedo a curtir música, nas aulas de piano. Mas a paixão avassaladora mesmo por ela veio na adolescência, quando passou a compor, cantar e se apresentar em grupos amadores em festas colegiais. Dessas boas experiências, resultou o encontro mágico com os parceiros Arnaldo Baptista e Sérgio Dias que desencadeou na formação de uma das mais famosas e cultuadas bandas brasileiras, Os Mutantes. Sucesso absoluto, o trio revolucionou o Rock brasileiro de 1966 a 1972, com Rita Lee, lançando discos e músicas relevantes. "Balada do Louco", "2001" e "Ando Meio Desligado" são algumas delas. No auge dos festivais, acompanharam Gilberto Gil na música "Domingo no Parque" no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record em 1967, ganhando mais espaço, divulgação e reconhecimento. Com Rita, a banda lançou seis álbuns: "Os Mutantes" (1968), "Mutantes" (1969), "A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado" (1970), "Jardim Elétrico" (1971), "Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets (1972) e "Tudo Foi Feito pelo Sol" (1974). Rita divorciou-se do marido e colega de banda, Arnaldo Baptista, com quem foi casada entre 1968 e 1972. Isso desencadeou um clima tenso que acabou desaguando na sua expulsão da banda. Ainda com participação dos integrantes d´Os Mutantes, Rita Lee lançou dois álbuns solos, "Build Up" (1970) e "Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida" (1972). Do primeiro disco solo veio o primeiro grande sucesso da carreira da artista, a canção "José".
Fora d´Os Mutantes, Rita se juntou a Lúcia Turnbull no efêmero projeto da dupla "Cilibrinas do Éden", que depois de um único disco, desapareceu para, com a adição de Luis Sérgio Carlini e Lee Marcucci, criarem a banda "Tutti Frutti", que fez grande sucesso, com quatro álbuns lançados: "Atrás do Porto Tem uma Cidade" (1974), "Fruto Proibido" (1975), "Entradas e Bandeiras" (1976) e "Babilônia" (1978).
Depois de se juntar marital e musicalmente com o guitarrista Roberto de Carvalho, o amor de sua vida, Rita se lançou na carreira solo com o lançamento de um disco brilhante, "Rita Lee" (1979), explodindo nas paradas de sucessos com as ótimas canções "Mania de Você", "Chega Mais" e "Doce Vampiro". Logo no ano seguinte, em 1980, outro álbum com seu nome na capa faz estrondoso sucesso com as músicas "Lança Perfume", "Baila Comigo" e "Nem Luxo, Nem Lixo". Em 1981, mais um álbum, "Saúde", lançado em uma fase de muita felicidade, onde a artista curtia além do sucesso, o amor conjugal e os três filhos pequenos: Beto Lee, nascido em 1977, João em 1979 e Antônio em 1981. Continuando a ótima fase de produção frutífera, lançou o álbum "Rita Lee e Roberto de Carvalho" em 1982, seguido do disco "Bombom" (1983) e "Rita e Roberto" (1985). Apresentou-se na primeira edição do "Rock in Rio", um sucesso. Lançou mais três discos ainda com a parceria com Roberto: "Flerte Fatal", em 1987; "Zona Zen", em 1988, e "Rita Lee e Roberto de Carvalho", em 1990. Divorciando-se musicalmente do marido, Rita lançou um projeto maravilhoso de um disco com músicas de Bossa Nova, "Bossa 'n' Roll", com turnê no formato voz e violão. Mais sucesso! Aventurou-se na televisão, comandando o programa "TVleezão", na MTV Brasil. Retornou aos estúdios para gravar e lançar "Rita Lee" em 1993 e "A Marca da Zorra" em 1995. Com este último, abriu com sua turnê o primeiro show dos Rolling Stones no Brasil.
Em dezembro de 1996, Rita formalizou seu casamento com Roberto de Carvalho, tornando-se oficialmente a senhora Rita Lee Jones de Carvalho. Em 1997, após recuperação de um acidente doméstico, lançou o álbum "Santa Rita de Sampa", reafirmando seu amor incondicional pela cidade natal. Em 1998, lançou o disco "Acústico MTV", com a participação de figuras emblemáticas da música brasileira. Cássia Eller participou da faixa "Luz del Fuego", Paula Toller, da música "Desculpe o Auê", Titãs, da canção "Papai, Me Empresta o Carro" e Milton Nascimento cantou junto no hit "Mania de Você". No ano de 2000, lançou o álbum "3001". Em 2001 ela lançou um disco encantador e que adoro: "Aqui, Ali, em Qualquer Lugar". Nele Rita Lee interpreta com doçura clássicos dos Beatles em forma de Bossa Nova, uma delícia sonora. Ainda em 2001, lançou uma coletânea de sucessos com o nome "Para Sempre". Outra coletânea saiu em 2002, esta contendo somente suas músicas incluídas em trilhas de novelas.
Rita se aventurava em vários projetos, os mais diversificados. Integrou a Tropicália, invadiu e destacou-se no mundo machista do Rock, participou de novelas, escreveu livros infantis e apresentou programas de TV. Estrelou a partir de 2002 o programa da GNT "Saia Justa", ao lado de Fernanda Young e Marisa Orth.
Em 2003, lançou mais um álbum, "Balacobaco", com o hit "Amor e Sexo", inusitada parceria dela e de Roberto com o cineasta Arnaldo Jabor. Neste disco ela gravou uma música genial de autoria de Moacyr Franco, intitulada "Tudo Vira Bosta". Depois de longa pausa, a roqueira voltou ao estúdio em 2012, para gravar e lançar o disco "Reza", com canções suas e de Roberto de Carvalho.
Por sua imensa importância na cultura brasileira, Rita Lee recebeu homenagens, como o musical de 2014, nominado "Rita Lee Mora ao Lado", baseado no livro homônimo de Henrique Bartsch e estrelado pela atriz Mel Lisboa. Dois livros contam em detalhes sua história, por suas próprias palavras: "Rita Lee: Uma Autobiografia" (2016), e "Rita Lee: Outra Autobiografia", agora em 2023, ambos da Globo Livros.
Rita Lee recebeu dos fãs o carinho da despedida no Planetário do Parque Ibirapuera, entre as 10 e 17h. O local era um dos seus preferidos, a que chamava de "Floresta Encantada". Seu corpo será cremado, a seu pedido, em cerimônia reservada a familiares e amigos íntimos.
Rita Lee, a "Padroeira da Liberdade" (como se definia), esbofeteou bem-humorada, suave e poeticamente a cara extremamente conservadora e retrógrada da sociedade brasileira com suas letras atrevidas e irreverentes, falando verdades incômodas. Por sua coragem de escancarar verdades constrangedoras aos hipócritas e antiquados, foi sacaneada mesmo grávida, presa e censurada pelo maldito regime militar da ditadura, mas nunca se acovardou, seguindo até o fim da vida espalhando amor, bom humor e alegria. A artista bastante amada pelos fãs deixa uma herança bendita de canções as mais saborosas de se ouvir e dançar com amor no coração e felicidade na alma.
Rita certamente irá se encontrar, não sei se no Paraíso ou em outro lugar qualquer do Universo, com as amigas Elis Regina e Gal Costa, talvez performando em conjunto uma canção do Tom Jobim, do Erasmo ou do Cartola, quem sabe? Viva a Santa Rita de Sampa!
Um grande abraço espinosense.
"Pra quê sofrer com despedida
Se quem partir não leva nem o sol, nem as trevas
E quem fica não se esquece tudo o que sonhou?
Sabe, alguém quando parte
É porque outro alguém vai chegar
Num raio de lua, na esquina, no vento ou no mar" ("Cartão Postal")
"Quem falou que não pode ser?
Não, não, não
Eu não sei por que
Eu posso tudo, tudo" ("Pirataria")
"Eu hoje represento a pergunta
Na barriga da mamãe
E quem morre hoje, nasce um dia
Pra viver amanhã
E sempre" ("Luz del Fuego")
"Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar" ("Ovelha Negra")
"O que eu era ou sou por enquanto
É tudo aquilo que eu digo e canto
Com um pouco de espanto
Num palco ou num canto" ("Corista de Rock")
"Qual é a moral?
Qual vai ser o final dessa história?
Eu não tenho nada pra dizer, por isso digo
Que eu não tenho muito o que perder, por isso jogo
Eu não tenho hora pra morrer, por isso sonho" ("Coisas da Vida")
"Quantas vezes eles vão me perguntar
Se eu não faço nada a não ser cantar
Quantas vezes, eles vão me responder
Que não há saída a não ser morrer" ("Com a Boca no Mundo")
"Que o passarinho na gaiola
Não esquece de cantar
Que uma criança nunca briga
Se ela aprende a brincar e amar
Como tem que ser" ("Modinha")
"Se a Deborah Kerr que o Gregory Peck" ("Flagra")
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