Espinosa, meu éden

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quinta-feira, 7 de julho de 2022

3001 - "Menino", um lamento lancinante contra a violência

Uma das mais lindas vozes do rico universo da música brasileira estará se despedindo dos palcos neste ano de 2022. Mílton Nascimento, o Bituca, o carioca mais mineirinho da história brasileira, está dando adeus aos shows em turnês, recolhendo-se à sua merecida, tranquila e serena vida de octogenário que irá comemorar no próximo 26 de outubro. Nesses oitenta anos de vida e de música, Milton emocionou o mundo com canções harmonicamente formidáveis, falando de amor e Minas, de trem e sonhos, de esperança e fé, de encontros e despedidas, de travessias e dor, de estrelas e cais, de Marias e bailes da vida, de cálice e menino.
Entre tantas canções memoráveis interpretadas divinamente pelo cantor e compositor, eis que uma tem um significado deveras importante para nunca ser esquecido, a luta pacífica contra toda forma de repressão à Liberdade. A canção "Menino", parceria de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, foi inspirada no assassinato covarde do jovem estudante Édson Luís de Lima Souto, baleado no coração por um policial militar dentro das instalações do Restaurante Calabouço no Rio de Janeiro no dia 28 de março de 1968, no período mais violento e repressor da maldita ditadura militar brasileira. O estudante secundarista Édson, nascido em Belém do Pará no dia 24 de fevereiro de 1950, perdeu a vida de forma violenta e covarde quando ainda nem havia completado seus 18 anos. Foi assassinado friamente com um tiro no peito dentro do restaurante do Instituto Cooperativo de Ensino, onde ele e alguns colegas de escola organizavam uma passeata-relâmpago para protestar contra a alta do preço da comida servida aos estudantes. Benedito Frazão Dutra, outro aluno ferido gravemente, chegou a ser levado ao hospital, mas também faleceu. Temerosos de que os policiais assassinos desaparecessem com o corpo, os estudantes se uniram e não permitiram que ele fosse levado até o Instituto Médico Legal (IML), carregando-o em passeata diretamente para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde foi velado e teve a autópsia realizada ali mesmo. Outros cinco jovens ficaram feridos no ataque. 



A revolta pela repressão assassina levou a várias manifestações da população e a uma comoção tamanha, demonstrada na Missa de Sétimo Dia realizada na manhã de 4 de abril na Igreja da Candelária. Após saírem da Missa, as pessoas foram cercadas e atacadas pela cavalaria da Polícia Militar com golpes de sabre, com o saldo de dezenas de feridos. Em outra Missa realizada à noite, foi necessário que os clérigos corajosamente saíssem na frente de mãos dadas, fazendo um corredor de proteção aos fiéis, da porta da igreja até a avenida Rio Branco, na tentativa de impedir que, soldados a cavalo com os sabres desembainhados, com apoio do Corpo de Fuzileiros Navais e vários agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), os atacassem. Tal ação funcionou até a chegada às ruas da Candelária, quando ao se dispersarem, os participantes da Missa foram encurralados e agredidos covardemente, resultando em dezenas de pessoas feridas. Tempos sombrios que não podemos aceitar nunca mais em nosso país. Ditaduras, de esquerda ou de direita, nunca mais! 
Democracia, Liberdade, Justiça e Paz, sempre!
Um grande abraço espinosense.




MENINO
Mílton Nascimento

Quem cala sobre teu corpo
Consente na tua morte
Talhada a ferro e fogo
Nas profundezas do corte
Que a bala riscou no peito
Quem cala morre contigo
Mais morto que estás agora
Relógio no chão da praça
Batendo, avisando a hora
Que a raiva traçou no tempo
No incêndio repetindo
O brilho de teu cabelo
Quem grita vive contigo
Quem grita vive contigo


A mesma pungente e dolorida canção, na interpretação magnífica da eterna diva Elis Regina:


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