Espinosa, meu éden

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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

2785 - O sempre aguçado Caetano alfineta os "Anjos Tronchos"

Não há como escapar das consequências das transformadoras e bombásticas invenções humanas, criações que catapultam indivíduos para a riqueza, a fama e a desconexão do mundo real, não sem antes provocar mudanças irreversíveis nas vidas dos tripulantes da nave mãe Terra, azul, esférica, estupenda e estupidamente destruída pela ganância e insensibilidade humana. O mesmo avião inventado para diminuir distâncias, levando pessoas e cargas em tempo recorde a qualquer ponto do planeta, levou as malditas bombas que foram despejadas sem o menor sentimento de culpa sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. A mesma imprensa inventada para facilitar a propagação da verdade dos fatos, não raro é utilizada com a mais inescrupulosa das intenções para criar e manter privilégios e ludibriar os mais suscetíveis, infelizmente os menos favorecidos. Agora, a mesma tecnologia produzida por seres de mente brilhante para disseminar conhecimento, conectar pessoas e facilitar a vida humana, torna-se um antro podre de propagação de mentiras, fake News e ódio dos descerebrados haters. 
As descobertas humanas, por si sós, são espetaculares, metamorfoseadoras e especialmente benéficas para a Humanidade. Entretanto, o uso desvirtuado dessas notáveis descobertas causa estragos desastrosos nas vidas das pessoas. Diante dessa incômoda verdade, com sua mente sempre brilhante e irrequieta, o poeta, cantor, compositor e pensador Caetano Veloso coloca mais uma vez o dedo na ferida na sua mais recente canção "Anjos Tronchos", disponibilizada nesta mesma tecnologia que, ao mesmo tempo em que proporciona a irradiação de amor, ética, harmonia e paz, incendeia o mundo com as malditas fake News, as putrefatas mentiras e os estúpidos ataques raivosos nas redes sociais.
A música é uma das peças integrantes do próximo álbum do artista baiano que deverá ser lançado até o final deste ano pela gravadora Sony Music. O disco se chamará "Meu Coco" e já foi gravado neste primeiro semestre de 2021. É o primeiro disco de músicas inéditas desde "Abraçaço", do ano de 2012, lançado há nove anos.
Infelizmente a tecnologia possibilitou a todos nós a descoberta desoladora e trágica dos sentimentos mais desprezíveis em uma enorme parcela da população que julgávamos civilizada, íntegra, confiável, sensata e sábia. De acordo com o mestre Caetano, os "anjos tronchos" possibilitaram o surgimento de "palhaços líderes macabros" e de insensatos coléricos que podem matar com "post vil" e ameaçar a paz e a Democracia no mundo. Um descobrimento por deveras desconfortante, doloroso e triste. 
Um grande abraço espinosense. 

"Anjos Tronchos"
(Caetano Veloso)

"Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Desses que vivem no escuro em plena luz
Disseram: vai ser virtuoso no vício
Das telas dos azuis mais do que azuis
Agora a minha história é um denso algoritmo
Que vende venda a vendedores reais
Neurônios meus ganharam novo outro ritmo
E mais e mais e mais e mais e mais

Primavera Árabe – e logo o horror
Querer que o mundo acabe-se: sombras do amor
Palhaços líderes brotaram macabros
No império e nos seus vastos quintais
Ao que reveem impérios já milenares
Munidos de controles totais

Anjos já mi ou bi ou trilionários
Comandam só seus mi, bi, trilhões
E nós, quando não somos otários
Ouvimos Schönberg, Webern, Cage, canções

Ah, morena bela
Estás aqui
Sem pele, tela a tela
Estamos aí

Um post vil poderá matar
Que é que pode ser salvação?
Que nuvem, se nem espaço há?
Nem tempo, nem sim nem não. Sim: nem não

Mas há poemas como jamais
Ou como algum poeta sonhou
Nos tempos em que havia tempos atrás
E eu vou, por que não? Eu vou, por que não? Eu vou

Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Tocaram fundo o minimíssimo grão
E enquanto nós nos perguntamos do início
Miss Eilish faz tudo do quarto com o irmão".


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