Espinosa, meu éden

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quinta-feira, 14 de março de 2013

662 - Maldito trote violento!

Um dos momentos mais marcantes e importantes na vida de todo estudante é a vitória no vestibular e o consequente ingresso em uma universidade. Após dias e noites de enorme cansaço, debruçado em livros e apostilas, a chegada à universidade deve e muito ser comemorada. Mas o problema é que em muitos lugares esse rito de passagem, que teve início por volta do século XIV, é realizado de forma tão violenta que chega ao extremo de causar danos físicos e até a morte de alguns estudantes.
Trazido da Europa por jovens brasileiros que estudaram por lá no século XIX, o ritual medieval do trote tem por objetivo marcar a chegada dos calouros a uma nova e importantíssima fase da sua vida educacional. Os veteranos, que já foram calouros, descontam nos novos integrantes do ensino superior os mesmos castigos recebidos em anos anteriores. O problema está na explosão de violência que marca essas manifestações, geralmente com intensas humilhações e o uso constante da coação e da agressividade. As universidades até proíbem tais atos hostis em suas dependências, mas se omitem no combate a tais práticas vergonhosas fora dos seus muros. 
Os novos estudantes são obrigados, pelos veteranos, a executar atos humilhantes e de alta periculosidade às suas integridades físicas, tais como ingerir altas doses de bebidas alcoólicas, consumir fezes de animais, ser abandonado embriagado em locais ermos e perigosos na madrugada e outras idiotices mais, como fazer simulações de atos sexuais diante de todos os colegas. 
Aqui em Montes Claros, atualmente um polo educacional, são constantes as ocorrências de trotes, com centenas de garotos e garotas perambulando pelos semáforos das principais avenidas da cidade, totalmente sujos de tinta, a pedir dinheiro aos transeuntes e motoristas, em uma demonstração idiota de total humilhação. Isso é o de menos. Há casos inacreditáveis na história dos trotes pelo país. Por exemplo, em 1831, o estudante Francisco da Cunha e Meneses foi covardemente morto a facadas e bengaladas na Faculdade de Direito de Olinda. Em 1973, calouros foram obrigados a comer grama misturada com urina no Curso de Agronomia da USP. Em 1980, por se recusar a ter o seu cabelo cortado, o estudante da Universidade de Mogi das Cruzes, Carlos Alberto Sousa, foi espancado e acabou morrendo. Em 1999, obrigado a entrar na piscina do centro acadêmico da Faculdade de Medicina da USP, mesmo sem saber nadar, o jovem estudante Edison Tsung Chi Hsueh acabou morrendo afogado. Em 2006, o estudante de administração Tiago Rosa Careta teve o pescoço e a cabeça queimados por um produto químico aplicado por veteranos da Universidade de Franca. Em 2009, na Santa Casa de Santa Fé do Sul (SP), a estudante Priscila Rezende Muniz teve uma parte do seu corpo queimada por conta de aplicação de creolina, gasolina e solvente, em um trote. São só alguns exemplos, em meio a muitos outros que ocorrem por todo o país e também pelo mundo. Uma triste demonstração de falta de inteligência e bom senso. A coisa é tão séria que em 2009 a Câmara Federal aprovou uma lei que pune o trote violento, com cancelamento da matrícula por um ano e pesadas multas ao estudante praticante de atos violentos e humilhantes contra os calouros.  
Nada contra a comemoração da vitória, normalmente depois de um longo e árduo período de esforço nos estudos. O corte de cabelo pelos colegas, o banho de lama, a pintura no corpo e as brincadeiras sem violência são aceitáveis e fazem parte do processo. O inaceitável são os abusos, os exageros, a humilhação, a violência gratuita.
Tanta coisa diferente e mais educativa poderia ser implementada pelas universidades para marcar o ingresso desse pessoal nessa nova fase da vida. Bons exemplos já existem no país e algumas instituições de ensino já baniram o trote ou o substituíram pelo trote solidário ou trote cidadão, que consiste na doação de sangue, na arrecadação de roupas e alimentos para doação, no plantio de árvores ou na prestação de trabalho comunitário em comunidades carentes.
Um boa iniciativa partiu da Fundação Educar DPaschoal que, desde 1999, organiza o Prêmio Trote da Cidadania (trotedacidadania.org.br), que objetiva estimular o envolvimento dos jovens universitários em ações saudáveis de recepção aos calouros e em empreender atitudes solidárias em prol da comunidade. Que outras iniciativas parecidas se espalhem pelo país.
Um grande abraço espinosense.




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