A maravilhosa, meiga, serena, sábia, linda e talentosa Fernanda Montenegro, brilhante e ativa aos 95 anos de idade, dá mais um show de interpretação no filme "Vitória", dirigido por Bruno Silveira até 2022, infelizmente falecido por conta de um infarto durante o período de filmagens, e substituído por Andrucha Waddington. O filme que já está em cartaz nos cinemas do país, conta a belíssima história de coragem e indignação de uma cidadã comum e bastante exigente, Dona Joana Zeferino da Paz, que investiu seu suado dinheirinho na compra, em dez prestações, de uma filmadora para gravar o cotidiano de crimes do tráfico de drogas envolvendo bandidos e maus policiais diante da sua janela no seu pequeno apartamento na Ladeira dos Tabajaras, no Bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro.
Na abrasadora tarde desta segunda-feira, às 5 horas, aproveitei a minha condição privilegiada de "vagabundo" para ir assistir ao filme. E vivi uma situação inusitada. Fui o único ser vivo nas 147 poltronas disponíveis na sala do Ibicinemas no Shopping Ibituruna, uma regalia hilária. Que bom! Só não tenho mais a prerrogativa de não pagar estacionamento durante o período do filme, vantagem que foi cortada recentemente pelo shopping, em mais uma medida radical, covarde e vergonhosa do capitalismo selvagem que quer faturar e faturar sem escrúpulos ou limites. Lamentável. Mas voltemos ao filme de Dona Vitória, ou Dona Nina, ou verdadeiramente, Dona Joana.
A senhora Joana Zeferino da Paz (Rio de Janeiro, 15 de abril de 1925 — Salvador, 22 de fevereiro de 2023) teve uma vida dura, difícil e complicada, como tantos outros milhões de brasileiros menos favorecidos espalhados por todo o país, seja em metrópoles ou em cidadezinhas do interior. Com muita luta e dedicação, trabalhava como massoterapeuta, e com o pouco que ganhava pagava o financiamento da Caixa Econômica Federal que lhe valeu a posse do apartamento em que morava no Rio. Foi ali, da sua janela, que ela, inconformada com a violência e a corrupção desenfreadas diante dos seus olhos, resolveu investir na aquisição de uma pequena filmadora para registrar o cotidiano de crimes cometidos, especialmente o tráfico de drogas, infelizmente apoiado por policiais militares corruptos. Escondida atrás da persiana, Dona Joana venceu o medo e fez inúmeras imagens de bandidos armados e crimes cometidos ali nas imediações de onde morava. O resultado foram 22 fitas VHS com 33 horas de gravações mostrando a triste realidade do lugar. Indignada com a impunidade dos bandidos e a omissão das autoridades, entregou parte deste acervo em uma delegacia da Polícia Civil, sendo inicialmente ignorada. Quando um jornalista, Fábio Gusmão, em 2004, tomou conhecimento deste material, entrou em contato com a idosa para saber mais sobre os acontecimentos que resultariam, um ano adiante, na publicação de uma reportagem no jornal Extra e na edição de um livro intitulado "Dona Vitória da Paz" pela Editora Planeta, relançado agora em 2024. Para não expor a valente e determinada senhora às retaliações dos criminosos, o repórter resolveu identificá-la como Dona Vitória, só publicando a história depois que ela foi incluída no programa de proteção a testemunhas, por motivo de segurança. Só após a morte de Dona Joana em 2023, aos 97 anos de idade, em Salvador, onde morava, é que sua identidade foi revelada.
De posse das fitas gravadas por Dona Joana, os policiais civis cariocas iniciaram as investigações e conseguiram identificar quase todos os criminosos, inclusive os policiais desonestos, que foram presos. Entre bandidos comuns e bandidos militares, foram cerca de 30.
Quem pesquisar sobre o assunto, verá que a obra cinematográfica se inspirou na realidade dos fatos para contar a História, romantizando um pouco os acontecimentos, o que não diminui em nada a importância da atuação destemida e indignada da Dona Joana. Deveríamos ter muitos outros cidadãos como ela no país, inconformados com a propagação dos bandidos e milicianos por todo o canto.
Além da excelente interpretação da Fernanda Montenegro como Dona Nina, vemos no filme boas atuações de Linn da Quebrada como Bibiana, Alan Rocha, no papel do jornalista investigativo Fábio Godoy, e Tawan Lucas, como Marcinho.
Como é bom ver tantas ótimas produções continuando a serem realizadas no cinema brasileiro, contando as histórias da nossa gente! Que assim continue!
Infelizmente fiquei sabendo que a cantora, compositora e atriz Linn da Quebrada, que atuou no papel de Bibiana, vizinha de Dona Nina, foi internada para tratamento de problemas de saúde mental. Que ela seja bem tratada, se recupere o mais breve possível e retorne à sua carreira artística de sucesso.
Um grande abraço espinosense.
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