Espinosa, meu éden

Espinosa, meu éden

terça-feira, 11 de outubro de 2016

1606 - 20 anos sem a presença marcante de Renato Russo

Como passa rápido o tempo! Não me esquecerei jamais daquela sexta-feira, 11 de outubro de 1996, quando recebi a triste notícia de que Renato Russo, líder da banda de rock Legião Urbana, havia morrido de complicações causadas pela AIDS, com apenas 36 anos de vida. Logo depois de sair do trabalho e chegar em casa, tomado por uma tristeza profunda, a vontade que tinha era de apenas ouvir as suas músicas que tanto me tocaram (e ainda tocam) o coração. Lembro-me bem de ter pegado meu velho aparelho de som e me sentar na porta da garagem de casa, na lateral da Rua Deputado Edgar Pereira em Espinosa, e colocar para tocar os meus discos da Legião. Naquela época, Alex da Constrular tinha um barzinho ali perto. Fui até lá, comprei umas cervejas e voltei para casa e fiquei ouvindo Legião e curtindo a minha tristeza até mais tarde. Acho que depois das mortes de John Lennon e de Freddie Mercury, foi a perda da classe artística que mais me entristeceu. Há pouco tempo, o falecimento de Vander Lee também me entristeceu profundamente. Mas assim é a vida! Qualquer dia desses, seremos nós a partir deste mundo, sem irreversibilidade.


Renato Manfredini Júnior nasceu no Rio de Janeiro no dia 27 de março de 1960. Morou por cerca de dois anos em Nova Iorque, com o pai que era funcionário do Banco do Brasil e a família. Depois de retornar ao Rio e ali permanecer por certo tempo, a família mudou-se para a capital Brasília no ano de 1973. Foi lá que Renato Russo passou por uma epifisiólise (doença óssea que o deixou por cerca de 1 ano e meio entre a cama, a cadeira de rodas e as muletas), ampliou sobremaneira o seu conhecimento musical durante o tratamento, tornou-se um elogiado professor de inglês, entrou na faculdade de jornalismo, criou a banda punk Aborto Elétrico, tocou sozinho um período como o Trovador Solitário e mais tarde fundou e liderou com imenso sucesso uma das mais importantes bandas de rock do país, a Legião Urbana. Com a Legião, foram oito discos de estúdio e outros quatro gravados ao vivo:
"Legião Urbana" (1985), "Dois" (1986), "Que País é Este?" (1987), "As Quatro Estações" (1989), "V" (1991), "O Descobrimento do Brasil" (1993), "A Tempestade" ou "O Livro Dos Dias" (1996), "Uma Outra Estação" (1997-Póstumo), "Música para Acampamentos" (1992), "Acústico MTV" (1999), "Como é Que Se Diz Eu Te Amo" (2001) e "As Quatro Estações Ao Vivo" (2004).
Na carreira solo foram seis álbuns lançados: "The Stonewall Celebration Concert" (1994), "Equilíbrio Distante" (1995), "O Último Solo" (1997-Póstumo), "Presente" (2003-Póstumo), "O Trovador Solitário" (2008-Póstumo) e "Duetos" (2010-Póstumo).




Um mergulho intenso nas muitas belíssimas canções suas permite-nos captar um pouco do imenso redemoinho de emoções, ideias, influências, conflitos e interrogações que povoavam a mente privilegiada de um grande artista como Renato Russo. É possível entender em seus versos o quanto de sensibilidade ele carregava em sua alma, em grande parte oriunda da sua disfarçada condição de homossexual. Renato era dotado de uma grande inteligência. Desde jovem compunha suas músicas, escrevia muito, pensava demasiadamente sobre tudo. Chegou a escrever uma peça de teatro e planejou desde o início a trajetória da banda que um dia iria criar e tornar uma das melhores e mais importantes do país.. Ele até imaginou e registrou em anotações a história de uma banda imaginária liderada pelo roqueiro Eric Russell, a "The 42nd St. Band", que acabou em livro publicado neste ano. Renato tinha uma personalidade bastante complexa, capaz de gestos sutis e carinhosos ou explosões destemperadas.
Era um sujeito bem-humorado, determinado, estudioso, controvertido, perspicaz, sentimental, divertido, generoso, extremamente sensível, mas bastante contestador. Lutava contra suas incertezas, suas carências, suas desilusões amorosas de forma solitária, o que o levou ao consumo de álcool e drogas, que resultaram em um período de 29 dias em uma clínica de recuperação em 1993. Deste período difícil, surgiu o livro "Só Por Hoje e Para Sempre – Diário do Recomeço", onde ele expõe suas reflexões sobre a vida, fatos sobre a carreira e o consumo de álcool e drogas e o relacionamento com as pessoas próximas.   
Nas suas canções ele falou de tudo. Das suas amizades, dos seus medos, do seu inconformismo, das suas revoltas, das tristezas da vida, dos amores, das dores de amores, das mazelas do país, temas complexos mas que batiam certeiramente no coração das pessoas, sobretudo os jovens.


Neste aniversário de 20 anos de sua precoce saída de cena, o poeta Renato Russo está sendo homenageado de várias formas. Hoje, 11 de outubro, estreia "Renato Russo - O Musical", no Theatro Net, no Rio de Janeiro. Em março do ano que vem, deve estrear mais um musical, este inspirado no diário escrito por Renato durante o período em que esteve internado em uma clínica de reabilitação, o "Só Por Hoje e Para Sempre". Em 2017 também deve ser lançado o filme "Eduardo e Mônica", inspirado na sua famosa canção de mesmo nome. No próximo ano o cantor e compositor carioca ganha uma superexposição no MIS - Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, que mostrará ao público os objetos pessoais, manuscritos de letras de músicas, poemas e contos, diários pessoais, fotografias, documentos, desenhos, pinturas, prêmios, mobiliário, instrumentos musicais e roupas do artista.
Para agora, com lançamento previsto para o próximo dia 20 de outubro, o filho de Renato, Giuliano Manfredini, vai lançar um disco com releituras feitas por bandas da cena independente das canções do artista. Antes dessa comemoração de 20 anos da sua morte, Renato Russo já havia sido homenageado em duas produções cinematográficas. O filme "Somos Tão Jovens", com direção de Antonio Carlos da Fontoura e estrelado por Thiago Mendonça, mostra os anos iniciais da carreira do artista, até se tornar o líder da banda Legião Urbana. Já "Faroeste Caboclo, também de 2013, é uma adaptação da longa canção de mesmo nome que conta as peripécias do famigerado João de Santo Cristo, dirigida por René Sampaio, com roteiro de Victor Atherino e Marcos Bernstein e com a atuação dos atores Fabrício Boliveira (João de Santo Cristo), Ísis Valverde (Maria Lúcia), Felipe Abib (Jeremias) e César Troncoso (Pablo). A empresa Legião Urbana Produções Artísticas realizou, em junho de 2013, o show "Renato Russo Sinfônico", com a participação de diversos nomes da música brasileira.



Renato Russo deixou um enorme vazio na cena roqueira do Brasil ao ir-se embora tão prematuramente. Seu talento ímpar em construir belas canções e letras instigantes não encontrou substitutos à altura na atual conjuntura artística do país, cada dia mais pobre de criatividade. Resta-nos jamais deixar de ouvir e ouvir suas mensagens de dor, amor e crítica que fizeram e fazem a gente refletir sobre a vida. Sem esquecer que "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã".
Um grande abraço espinosense.

"Sempre precisei de um pouco de atenção,
Acho que não sei quem sou,
Só sei do que não gosto, 
E desses dias tão estranhos, 
Fica a poeira se escondendo pelos cantos". (Renato Russo - O Teatro dos Vampiros)

"Quem me dera, ao menos uma vez,
Provar que quem tem mais do que precisa ter,
Quase sempre se convence que não tem o bastante,
E fala demais por não ter nada a dizer". (Renato Russo - Índios)

"Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação". (Renato Russo - Que País é Este?)

"Vamos celebrar a estupidez humana,
A estupidez de todas as nações,
O meu país e sua corja de assassinos,
Covardes, estupradores e ladrões,
Vamos celebrar a estupidez do povo,
Nossa polícia e televisão,
Vamos celebrar nosso governo,
E nosso Estado, que não é nação". (Renato Russo - Perfeição)