Espinosa, meu éden

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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

499 - Marighella, um personagem das sombras

Muitos dos brasileiros, talvez a grande maioria, jamais ouviram falar de um dos mais controvertidos personagens da história recente do Brasil e um combatente ferrenho da brutal ditadura militar, que por 21 anos assumiu o controle do país, o baiano Carlos Marighella. Por sua luta incansável contra a tirania que comandou o Brasil depois do golpe militar de 1964, ele foi considerado o inimigo número 1 do poder e caçado vigorosamente e sem tréguas pela polícia política, vivendo escondido a maior parte da sua vida.
Para comemorar os 100 anos do seu nascimento, a sua sobrinha, a diretora e socióloga Isa Grinspum Ferraz decidiu fazer um documentário para contar a sua história. O filme, que reúne documentos, fotografias e vários depoimentos, tem a participação de Lázaro Ramos na narração e estreou agora em agosto nos cinemas.
É uma boa oportunidade para que as pessoas, principalmente os jovens, conheçam um personagem fundamental da dramática história da ditadura militar no Brasil, governo cruel que cassou a liberdade de imprensa, restringiu a liberdade dos cidadãos, censurou criações artísticas, torturou e matou adversários políticos do regime em uma época pouco conhecida da maioria dos brasileiros. Não deixe de assistir. É preciso que conheçamos profundamente a nossa verdadeira história, as nossas raízes, as nossas mazelas, os nossos heróis, os nossos algozes, a crueza dos fatos que nos antecederam.
O bravo militante comunista baiano nasceu aos 5 de dezembro de 1911 em Salvador, filho de um imigrante italiano, o operário Augusto Marighella e de Maria Rita do Nascimento, uma negra filha de escravos. Quando cursava Engenharia Civil na Escola Politécnica da Bahia, aos 18 anos, começou a despertar o interesse pelas lutas sociais e ele entrou para o Partido Comunista. Em 1932, aos 21 anos, foi preso pela primeira vez ao escrever em versos uma crítica ao então interventor da Bahia, Juracy Magalhães. No ano de 1936 abandonou o curso e mudou-se para São Paulo, enviado pela direção do partido para reorganizar o Partido Comunista, então esfacelado após as lutas de 1935, na conhecida Intentona Comunista. Novamente foi preso por subversão e acabou sendo torturado. Foi libertado depois da anistia assinada pelo Ministro da Justiça Macedo Soares em 1937. Pouco tempo depois, Getúlio Vargas deu o golpe do Estado Novo e o Partido Comunista foi colocado na clandestinidade. Devido à sua forte militância, Carlos Marighella incomodava o governo e novamente foi preso e desta vez, enviado à prisão em Fernando de Noronha, no ano de 1939. Saiu dali para o presídio da Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro, três anos depois, ao lado dos seus companheiros presos.
Na segunda guerra mundial, com  a vitória dos aliados sobre os nazistas e fascistas em 1945, houve nova anistia e o Partido Comunista voltou à legalidade. Assim, Carlos Marighella foi eleito deputado constituinte.
Mas o partido voltaria à clandestinidade mais uma vez com o fim do Estado Novo e a vitória do general Eurico Gaspar Dutra que, depois de tomar posse em 1946 com grande apoio dos conservadores, iniciou grande perseguição ao Partido Comunista.
Nesta época é que nasce o seu filho Carlos Augusto Marighella, fruto do seu relacionamento com Elza Sento Sé. Neste período de clandestinidade, contrariava a direção do partido por suas posições extremamente esquerdistas. Participou da famosa "Greve dos Cem Mil" e da campanha "O Petróleo é Nosso" no ano de 1953, bem como viajou à China e à União Soviética para acompanhar de perto as transformações comunistas. Foi também nesta época que conheceu a aeromoça e também militante Clara Charf, com quem a partir dali, viveu até a morte.
Com a eleição de Juscelino Kubitschek, depois da morte de Getúlio Vargas, as coisas melhoraram um pouco para Carlos Marighella, que finalmente pôde então levar uma vida normal ao lado da sua companheira Clara, usando não mais da clandestinidade e de codinomes, mas os seus verdadeiros nomes de batismo. Depois do governo Juscelino, Jânio Quadros ganha as eleições, mas fica pouquíssimo tempo no poder, renunciando devido às, até hoje não muito esclarecidas, "forças ocultas". Com a posse de João Goulart, o Partido Comunista retorna à legalidade. Mas em 1964, a ditadura militar tomaria o poder no golpe de estado de 31 de março. Os comunistas, novamente, seriam perseguidos. Ao ser preso em um cinema da Tijuca, no Rio de Janeiro, Marighella reage e é baleado no peito, mas consegue sobreviver e fica encarcerado por 80 dias. Retorna à militância e por suas posições divergentes com a direção do partido, é expulso. Com a ideia na cabeça de que a única maneira de combater a violenta ditadura implantada no país, seria através da luta armada, decide fundar a Ação Libertadora Nacional (ALN). A organização começa a praticar vários atos radicais contra o regime, inclusive assaltando bancos para arrecadar fundos. Em uma ação conjunta espetacular com o grupo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), sequestra o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick e exige em troca a leitura de um manifesto e a liberdade de 15 presos políticos.
A ditadura aumentava a repressão contra os comunistas e os revolucionários, com o uso da força e da tortura nos interrogatórios. Carlos Marighella se tornou o alvo principal da violenta polícia política, o temido Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), e teve a sua fotografia espalhada por todo o país como "procurado".  
No dia 4 de novembro de 1969, às oito horas da noite, uma emboscada armada na Alameda Casa Branca, em São Paulo, iria por fim à caçada. Depois de prender alguns frades dominicanos companheiros de Marighella e torturá-los impiedosamente até conhecer a forma como ele os contactava, a polícia, liderada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, armou uma emboscada com dezenas de policiais. Os freis Fernando e Ivo foram colocados algemados dentro de um fusca azul parado na rua, enquanto o delegado Fleury e a investigadora Estela fingiam ser namorados dentro de outro carro estacionado ali perto. Outros policiais estavam escondidos em outros carros e por toda a rua. Logo que Marighella apareceu caminhando na calçada do outro lado da rua, os policiais iniciaram a fuzilaria, abrindo fogo contra o tão procurado revolucionário, enquanto os frades eram rapidamente retirados do fusca. Sem reagir, ele morreu depois de ser atingido por quatro disparos. Para favorecer a versão da polícia, ele teve o seu corpo levado para o banco traseiro do Volkswagen, onde foi fotografado. No intenso tiroteio executado pelos policiais, três pessoas foram atingidas. O delegado Rubens Tucunduva ficou gravemente ferido e a investigadora do DOPS Estela Borges Morato e o protético alemão Friederich Adolf Rohmann, que furou o bloqueio na rua com o seu carro, morreram. Toda essa história pode ser encontrada no livro "Batismo de Sangue", de Frei Betto, e na versão cinematográfica filmada por Helvécio Ratton.
O delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury morreu ao 1° de maio de 1979, por afogamento, supostamente depois de escorregar de sua lancha Adriana I, ancorada no cais de Ilhabela, no litoral paulista. Há porém, suspeitas de que ele foi assassinado a mando de chefes do regime, por não ter sido o seu corpo necropsiado por ordens superiores, e por ser ele um verdadeiro e perigoso arquivo vivo. Ele foi um dos mentores do famoso "Esquadrão da Morte", a milícia clandestina que se especializou em matar inúmeros supostos bandidos em São Paulo e no Rio de Janeiro. 
No ano de 1996, o Ministério da Justiça reconheceu a responsabilidade do Estado pela morte de Carlos Marighella e em 2008, saiu a decisão judicial de que a sua companheira Clara Charf tinha direito a receber pensão vitalícia do governo brasileiro.
Marighella era também poeta e escritor e deixou obras escritas como o "Manual do Guerrilheiro Urbano", "Algumas questões sobre a guerrilha no Brasil", "Por que resisti à prisão", "Alguns aspectos da renda da terra no Brasil", "A crise Brasileira", "Pela Liberdade do Brasil", "Ação Libertadora", "Teoria e Ação Revolucionária".

Veja aqui o trailer do documentário "Marighella", de Isa Grinspum Ferraz.



Aqui você vê o documentário "Marighella - Retrato Falado do Guerrilheiro" de Sílvio Tendler (2001)

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